Caros Leitores,
é com muita felicidade que anuncio o novo endereço do site:
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Espero que gostem.
quinta-feira, 9 de julho de 2015
quarta-feira, 8 de julho de 2015
Programa nuclear iraniano: a reta final das negociações
As negociações com o Irã são importantes aos dois lados, muito embora este seja um diálogo envolvendo sete partes – o chamado P5+1 além do próprio Irã. Os EUA são os mais interessados e há muito capital político investido. Tudo isso leva a crer que há pouca possibilidade de não haver resultados práticos. É claro que este é um risco desde o início, mas a Casa Branca não se envolveria diretamente sem que a balança não pendesse para o lado das perspectivas favoráveis.
Obama tem muito a perder e a ganhar. Está desgastado com dois de seus principais aliados no Oriente Médio: Israel e Arábia Saudita – este último, inclusive, é o maior rival iraniano e está em guerra no Iêmen justamente contra a milícia xiita houthi. Os sunitas acusam o Irã de apoiar os houthis no Iêmen, mas a República Islâmica nega. É impossível analisar as negociações sobre o programa nuclear iraniano e a situação do Oriente Médio atual deixando de lado a disputa sectária e geopolítica entre sunitas e xiitas. É claro que Washington entende esta situação e, muito em função disso, as negociações com os iranianos representam, por si só, um tremendo risco. Historicamente aliados aos Estados sunitas, os americanos estão apostando alto ao se aproximar justamente do maior ator xiita e que jamais fez questão de esconder suas ambições regionais.
Os EUA querem obter uma grande vitória diplomática no Oriente Médio. Enquadrar o programa nuclear iraniano é prioridade máxima da gestão Obama e irá compor, ao lado da reaproximação com Cuba, sua grande conquista de política externa. Para Teerã, as negociações são igualmente importantes. Podem liberar 4,9 bilhões de dólares retidos pelas sanções internacionais. Mas há um aspecto a se considerar: somente o processo de negociação já deu ao Irã 7 bilhões de dólares. O montante foi pago como estímulo ao estabelecimento do diálogo direto e como premiação pela assinatura do acordo interino - que entrou em vigor em janeiro de 2014 – e, posteriormente, pelo acordo preliminar de abril de 2015. As negociações têm sido lucrativas, ao mesmo tempo em que deram mais tempo ao país. O foco das discussões deixou de ser a previsão de mais sanções ou punições pelo não cumprimento do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
Mas é claro que os iranianos estão em busca de um acordo, uma vez que os setores petrolífero e bancário estão bloqueados. Suspender este bloqueio internacional será igualmente capitalizado pela cúpula política do país como vitória sobre o Ocidente.
Mas há um princípio válido a qualquer negociação: vender caro algo que a outra parte quer demais. E os iranianos sabem o quanto o governo americano deseja obter este acordo definitivo. Por isso, este é o momento de pedir mais, e o Irã também insiste para que a ONU suspenda o embargo de venda de armamento e o desenvolvimento de mísseis balísticos, em vigor desde 2007 também em função do programa nuclear. Este assunto é especialmente delicado, na medida em que as negociações enfrentam resistência do Congresso americano. Liberar a venda de armas é algo que certamente servirá como argumento aos opositores domésticos – o partido Republicano em peso e parte dos congressistas democratas. Isso sem falar em Benjamin Netanyahu, o crítico mais contundente do que há muito tempo classifica como um “mau acordo”.
Ainda considero provável o acerto final entre todas as sete partes envolvidas, principalmente pela maneira como Obama entende as relações internacionais, um misto entre o realismo político e a esperança de mudança de mentalidade a partir de concessões. Mas ninguém pode ser inocente o bastante a ponto de acreditar que resultados positivos nas negociações serão capazes de frear as ambições geopolíticas do Irã no Oriente Médio.
terça-feira, 7 de julho de 2015
Grécia deixa evidente falha estrutural da União Europeia
A situação da Grécia é também uma ameaça à União Europeia. Não apenas porque será um tremendo fracasso ao projeto de integração entre os países caso os gregos venham a deixar a UE, mas porque mostra a fragilidade política do conceito de bloco supranacional. Os europeus têm o crédito pela invenção da maior parte das definições políticas mundiais – criaram modelos de governança e governo que hoje definem a existência humana tal como a conhecemos. Não apenas criaram sistemas políticos, mas o próprio conceito de Estado nacional.
Para a população mundial, esta é uma realidade dada, natural. Mas, claro, se hoje a grande maioria dos habitantes do planeta vive em países com fronteira, hino, idioma, bandeira e um aparato de Estado, essas são invenções europeias que se tornaram populares e posteriormente padrão, a partir do século 19. A integração supranacional é igualmente europeia. A UE se tornou símbolo de prosperidade, qualidade de vida e sucesso econômico até 2008, ano em que a crise financeira global chegou para ficar na Europa.
A Grécia é a exacerbação desta dúvida sobre o projeto político europeu. É o maior desafio enfrentado pelo bloco. Criada para dar paz definitiva a um continente historicamente marcado por conflitos, a UE está sustentada em bases nada sólidas. Enquanto simbolizava prosperidade, não foi questionada. Desde 2008, não é mais assim, e as rivalidades nacionais, preconceitos e desconfianças parecem ter superado as boas intenções dos anos 1990. O Estado nacional ainda está vencendo o conceito de Estado supranacional.
Há falhas importantes na execução do projeto político da UE que explicam em boa parte o momento de impasse. A situação na Grécia tem sido examinada de longe pela cúpula econômica, como se o país fosse uma criança que merece ser punida por mau comportamento. Vinte e cinco por cento dos gregos estão desempregados. As medidas de austeridade rejeitadas no domingo já estão em vigor desde meados de 2012 e não surtiram efeito. Como imaginar que, após três anos de submissão, os gregos pudessem apoiar um novo – e igualmente ineficaz – tratamento de choque? Foi até surpreendente que 30% dos eleitores tenham votado no “sim”.
O Syriza, partido de esquerda do primeiro-ministro Alexis Tsipras, foi eleito em janeiro deste ano sob a promessa de combater as medidas da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Seria estranho se o partido perdesse este referendo. Na verdade, o primeiro-ministro está agora duplamente legitimado. Mas este não é um dado exclusivamente positivo ao governo de Atenas. Não se o objetivo for permanecer na União Europeia.
Eleito para combater as medidas punitivas e agora referendado para seguir adiante nesta batalha, o primeiro-ministro não tem nenhuma margem de negociação. Isso porque os dirigentes europeus não recuam na determinação de aplicar mais austeridade. Qualquer acordo deve honrar compromissos de mais corte por parte dos gregos. Mas Tsipras não pode fazer isso. Não pode duplamente. O que o deixa amarrado nas conversações com a troika. Se admitir novas medidas restritivas, terá traído a população também duplamente.
Aparentemente, não há muito espaço para alternativas. A Grécia parece estar seguindo o caminho de saída da União Europeia. O “não” dos gregos nas urnas deve ser respondido de maneira recíproca em Bruxelas, evidenciando falhas estruturais do projeto europeu de integração supranacional e deixando dúvidas sobre seu futuro.
segunda-feira, 6 de julho de 2015
Crise grega: reduzir a dívida é a única possibilidade
A vitória do “não” no referendo da Grécia era óbvia. Mais além, era a única possibilidade real. O “não” sonoro do povo grego nas urnas nada mais é do que a reafirmação da impossibilidade de pagamento de uma dívida que ultrapassa R$ 1 trilhão. O país está quebrado de tal maneira que soa ridículo imaginar que seu governo será um dia capaz de pagar um montante dessa proporção.
Os credores apertaram os gregos de tal maneira, que agora a situação simplesmente chegou num ponto em que as ameaças já não surtem mais efeito. Este é sempre o maior risco de quem cobra dívidas; os gregos já perderam tanto, já reduziram emprego, padrão de vida e até consumo de alimentos, que há pouco o que temer. Apesar da possibilidade de ainda mais deterioração, a população já não está mais disposta a fazer concessões a credores que não acenam com melhorias de qualidade de vida. Não basta prometer que tudo irá melhorar daqui a dez anos. Os cidadãos querem empregos hoje, querem poder de compra, aposentadorias, salários.
Para azar dos credores, a corda foi esticada ao máximo. É mais ou menos isso que o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, disse quando afirmou que “não havia mais nada a temer além do próprio temor”. O discurso pela restauração do orgulho nacional funcionou. Agora, os gregos podem voltar à mesa de negociações com a cúpula europeia tendo como sustentação um explícito apoio nacional. Este era o pior cenário para quem cobrava mais medidas de austeridade.
A Grécia está profundamente distante da liderança europeia, especialmente do governo alemão, que não se cansa em estigmatizar o sul da Europa numa manobra para lá de ineficaz. Nunca Atenas e Berlim estiveram em caminhos mais opostos. Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) admite oficialmente que os gregos precisam ter sua dívida aliviada. Os alemães se opõem.
Mas, como sempre faço questão de escrever por aqui, a crise europeia não foi inventada pela Grécia. Muito pelo contrário. A economia alemã precisa de consumidores para seu parque industrial sofisticado e concordou em emprestar dinheiro para aumentar a massa de compradores. Grécia, Espanha, Portugal, Itália foram beneficiados por essas medidas. Mas elas nunca teriam sido aprovadas se as economias consolidadas da Europa não tivessem concordado. Uma hora, a diferença entre os países iria resultar em débito. Não deu outra.
O aprofundamento da distância entre Alemanha e Grécia também tem efeitos políticos. Já escrevi sobre a aproximação entre Atenas e Moscou. Mas não se trata apenas disso. Ao envergar os gregos ao máximo, a chamada troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o FMI) parece esquecer o passado do continente. É consenso que as exigências feitas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, assinado após o fim da Primeira Guerra Mundial, facilitaram a popularização do nazismo.
É óbvio que a história não é hermética e não se reproduz numa máquina de xerox. Mas o cenário político grego é hoje um ambiente onde o extremismo encontra eco, à direita ou esquerda. O partido Aurora Dourada representa a extrema-direita grega, que culpa imigrantes pela situação do país, mantém milícia paramilitar para prender estrangeiros ilegais e cujos membros se locupletam em saudações nazistas. Nas últimas eleições, em janeiro, passou a ser o terceiro partido com mais representantes no parlamento grego.
Quanto mais a Grécia estiver isolada, quanto mais o nacionalismo soar como a única possibilidade de os cidadãos comuns não se submeterem a mais medidas de austeridade, mais difícil será imaginar um futuro em que os gregos percebam a União Europeia como parceira, não como algoz. Este é o momento de negociar uma solução real em que a grande dívida da Grécia seja reduzida de maneira significativa.
quinta-feira, 2 de julho de 2015
Ataques no Sinai apontam novo movimento estratégico do EI
Os ataques do Estado Islâmico na Península do Sinai são evidências de que o grupo encara o Estado egípcio com um de seus principais inimigos e está disposto a entrar em guerra aberta para derrubar o governo do general Abdel Fattah al-Sissi. Responsável pelo golpe que tirou do poder o ex-presidente Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, al-Sissi é um dos principais inimigos do fundamentalismo islâmico na região. É também produto político indesejável do movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe, que buscava levar democracia, liberdade de imprensa, eleições livres e novas perspectivas aos países até então controlados por ditaduras históricas no Oriente Médio. O problema, como já discuti por aqui inúmeras vezes, foi a incapacidade do movimento de gerar lideranças políticas claras. Al-Sissi é antítese da Primavera Árabe, mas só tomou o poder no Egito em função dela. É contraditório, mas inegável.
Na primeira eleição livre do país, a Irmandade Muçulmana saiu vencedora. Eleger membros do grupo ao parlamento e ter um presidente filiado a suas fileiras soa estranho a uma população que saiu às ruas para protestar contra a ditadura do ex-presidente Hosni Mubarak. Mas este foi o resultado de três décadas de silêncio em que a única organização politicamente ativa e estruturada de oposição era a própria Irmandade Muçulmana – mesmo que ela não seja exatamente um modelo da expressão da vontade popular dos milhões que participaram da Primavera Árabe egípcia. O grupo venceu nas urnas por uma série de fatores e circunstâncias, mas principalmente pelas que expus no primeiro parágrafo.
Agora, o Egito assiste a uma novo movimento geopolítico: a tentativa de assentar pragmaticamente a situação. O discurso do general al-Sissi é focado na estabilização nacional. Para isso, não apenas tratou de prender parte da Irmandade Muçulmana (inclusive sentenciou com a pena de morte o ex-presidente Mursi), mas também de, lentamente, tentar resolver a situação de suas fronteiras. A oeste, no falido Estado líbio, as forças armadas egípcias lutam diariamente contra membros do Estado Islâmico que tomaram parte do leste do país. Do lado oposto, a leste, al-Sissi tenta se reconciliar com o Hamas, em Gaza, elogiando a posição do grupo de impedir os avanços do próprio EI na faixa costeira do território palestino. Em troca, o governo do Cairo permitiu a abertura da passagem de Gaza para o Egito em dois períodos do último mês de junho (entre os dias 13 e 18, e posteriormente entre 23 e 25).
Os ataques coordenados que o autodenominado Estado Islâmico da Província do Sinai realizou no território egípcio nesta semana podem estar relacionados a esses movimentos do Cairo. De um lado, marcam o posicionamento do EI em sua luta regional para desestabilizar os Estados nacionais. Também apontam ao Egito especificamente como inimigo da vez por se tratar de regime secular e que tem combatido o grupo na Líbia. Além disso, o EI fez questão de ameaçar o próprio Hamas, sob a acusação de que o grupo negocia com os xiitas Irã e Hezbollah (o EI classifica os xiitas como hereges). Também alertou que irá tomar Gaza para si.
Tudo isso apresenta também a visão estratégica dos terroristas do EI. Como já perceberam o momento pragmático da aliança entre Hamas e Egito, imaginam que este é um movimento prejudicial a seu discurso e prática. Para o EI, o pragmatismo é um dos inimigos a ser combatido.
terça-feira, 30 de junho de 2015
O sucesso da estratégia atual do Irã e as perspectivas de mudança da abordagem dos EUA nos próximos anos
Não haverá acordo sobre o programa nuclear. Pelo menos não nos próximos dias. Como se esperava, o novo limite deve ser o dia 9 de julho, data final para submeter o resultado das negociações ao Congresso americano. Isso bate com a análise que publiquei no último dia 26. Na prática, não há como imaginar qualquer negociação desta proporção que desconsidere o jogo doméstico dos EUA, o ator mais poderoso e também o principal interessado nos resultados políticos. É claro que os demais membros do P5+1 irão capitalizar conquistas com o Irã, mas é em Washington que os dois partidos aguardam as conversações em Viena com mais ansiedade. Suas consequências influenciarão decisivamente na corrida eleitoral e, principalmente, no legado internacional do governo Obama.
Do lado iraniano, já se pode dizer que Hassan Rouhani e a cúpula dirigente do país souberam agir com mais sabedoria que o antecessor do cargo, Mahmoud Ahmadinejad. Com estilo provocador, Ahmadinejad optou por se transformar numa caricatura e não entendeu que, se baixasse o tom, não apenas tiraria o foco de si, mas também reduziria as perspectivas de ameaça militar ao programa nuclear do país. Ao acenar com a possibilidade de negociações – mesmo que elas sejam incapazes de resultados positivos a todos os lados envolvidos – , o Irã passou a dar o que o Ocidente queria sem precisar fazer muito. Às vezes, o jogo de cena é suficiente. Muitas vezes, a imagem mais amenizada é capaz de satisfazer a opinião pública internacional. Isso faz sentido especialmente no caso iraniano, onde jamais houve apoio consistente ao impedimento militar aos avanços atômicos do país.
Negociações lentas e cujos resultados são difíceis de serem mensurados já foram capazes de jogar no esquecimento a possibilidade de um ataque coordenado entre EUA e Israel às instalações nucleares iranianas. O discurso militar foi esquecido por ora em função, principalmente, da falta de vontade americana de se envolver em mais um conflito no Oriente Médio. A crise econômica, a incapacidade de se ver realmente livre do Iraque e do Afeganistão e a necessidade de o governo Obama apresentar resultados práticos internacionais antes das próximas eleições acabaram com a perspectiva de uma ofensiva contra o Irã. E é evidente que Teerã está fazendo bom uso desses elementos enquanto negocia em Viena. Tudo isso é fruto também da capacidade de Rouhani. O Ocidente aguardava ansiosamente um líder iraniano que parecesse menos agressivo. Rouhani teve o papel mais do que simplório de ser este presidente. Não foi preciso muito mais para abrir muitas portas e fechar outras tantas.
Nada disso, no entanto, significa que a cúpula da República Islâmica tenha se transformado. A própria perspectiva de suspensão das sanções é de interpretação duvidosa. Se as sanções caírem, o governo irá se abrir e abandonar o projeto nuclear militar (nunca admitido)? Ou irá reforçar internamente o discurso de vitória sobre o Ocidente apostando que os EUA estarão muito ocupados na sucessão eleitoral para voltar atrás e se envolver numa ação que continuará a não encontrar apoio internacional? Eu diria que parte desta resposta irá depender de quem será o próximo presidente americano. E, como escrevi, mesmo que seja Hillary – uma possibilidade real – , a abordagem americana, no caso de impasse com o Irã, deve mudar um pouco. Se for um presidente republicano, deve mudar completamente.
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Negociações com o Irã: sobram especulações na semana decisiva
A expectativa pelo resultado final das reuniões entre o P5+1 e o Irã, nesta terça-feira, pode gerar frustração. Já se sabe que a negociação em Viena está complicada, e não poderia ser mesmo diferente. Muito além das questões entre as partes, há elementos políticos internos interessados no fracasso das negociações.
Do lado americano, os republicanos trabalharão arduamente para derrubar qualquer acordo. Escrevi extensamente sobre como isso pode acontecer. Leia aqui. As disputas domésticas iranianas também podem influenciar. O aitatolá Ali Khamenei pode tentar minar o diálogo em função de disputas com os aliados do presidente Hassan Rouhani, cujo governo deposita muitas expectativas no sucesso dos acordos para suspender as sanções e iniciar a recuperação econômica. Apesar de este fator político no Irã ser considerado como mais um problema, não considero possível dar a ele o mesmo peso da oposição republicana nos EUA.
Khamenei é o Líder Supremo do país, maior autoridade iraniana, não Rouhani. O atual presidente foi representante de Khamenei no Conselho Supremo de Segurança Nacional. Por mais que Rouhani venha a usufruir de prestígio político interno com o fim das sanções, está muito claro internamente aos cidadãos que Khamenei é parte do processo, não um opositor a Rouhani. Muito pelo contrário. Nada neste nível é decidido no país sem aprovação de Khamenei.
O al-Monitor, site dedicado ao Oriente Médio, conseguiu acesso a fontes iranianas que garantem que nenhum documento será assinado em Viena, mesmo se um acordo for alcançado. Segundo essas fontes, o Irã aguardaria a ratificação do acordo nos EUA antes de iniciar a implementação das medidas. Se esta de fato for a posição de Teerã, é uma boa leitura do jogo político doméstico americano – análise que fiz disponível no link acima.
Pode também ser um preparativo para justificar deixar Viena sem um acordo formal, empurrando a pressão aos EUA. Isso não me parece exatamente inteligente, na medida em que o governo de Barack Obama é a grande chance iraniana de suspender as sanções. O Irã tem interesse real no fim das restrições, então deve apostar na aliança com a atual administração americana. Mesmo que haja um próximo governo democrata, Hillary Clinton tende a ser mais dura nas negociações.
sexta-feira, 26 de junho de 2015
Os atentados terroristas pelo mundo e o modo de operação do Estado Islâmico
Os atentados em três continentes realizados nesta sexta-feira podem ter sido realizados pelo Estado Islâmico ou por autointitulados membros do grupo terrorista. Se foram realizados por terroristas com alguma participação formal no EI importa pouco. O que mais importa é a aderência da ideologia, o poder do discurso. Hoje, o EI já se sobrepôs à al-Qaeda e está estabelecido – de fato e no imaginário – como a principal ameaça à segurança internacional. Se em 2001 a al-Qaeda inaugurou a era do terrorismo “franqueado”, o EI conseguiu, 14 anos depois, pôr em prática a lógica perversa de trabalhar a partir dos elementos distintos que as realidades ocidental e oriental apresentam.
No Oriente Médio, o grupo se sente bastante à vontade e já conta com conquistas territoriais significativas na Síria e no Iraque. Nesta sexta-feira, também assassinou 146 pessoas na cidade de Kobane, na fronteira entre Síria e Turquia. Seus inimigos são sempre os não-sunitas. Na prática, os muçulmanos são as principais vítimas. A ideia é reforçar a identidade do EI como uma espécie de protetorado dos sunitas – mesmo que a população muçulmana sunita jamais tenha feito tal pedido. A lógica é dividir para conquistar. E daí a intenção, cada vez mais evidente, de reforçar a guerra étnica entre os próprios muçulmanos.
No Kuwait, país de maioria sunita mas com importante minoria xiita, os terroristas mataram 27 pessoas num atentado a uma mesquita xiita (foto). É o primeiro ataque do grupo a um Estado do Golfo Pérsico. Isso é particularmente importante, na medida em que a disputa regional do Oriente Médio passa pela aliança entre as monarquias do Golfo que se contrapõem ao eixo xiita liderado pelo Irã. Em comum a todos, o temor ao EI e a seu objetivo de acabar com as fronteiras nacionais em nome do projeto de restauração do Califado. No Kuwait, especificamente, não há registros significativos de hostilidades entre xiitas e sunitas. Está claro que o EI procura mudar esta situação, evidenciando a estratégia regional do grupo: a guerra sectária.
Na Europa, a estratégia é diferente. O EI se aproveita do ciclo político local. A cada recrudescimento da extrema-direita europeia, a cada tentativa de tornar os muçulmanos comuns reféns das consequências de atos da bárbarie do fundamentalismo, o EI comemora. O abismo é a única maneira de existência, não há qualquer possibilidade de um caminho comum entre as culturas. E aí os atentados desempenham papel fundamental neste projeto, já que alimentam o discurso político dos partidos mais radicais e enfraquecem os moderados. É na Europa também que o EI pretende encontrar adeptos. E quanto mais marginalização, mais ressentimento, mais exclusão da sociedade, melhor. Esses elementos estão na base de muitos dos europeus que buscam adesão ao EI e no isolamento dos muçulmanos que vivem nos países europeus.
Não se pode examinar os acontecimentos desta sexta-feira trágica sem levar em consideração todos esses fatores.
O acordo com o Irã pode mudar o rumo das eleições nos EUA em 2016
No próximo dia 30 expira o prazo para que o P5+1 (EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Rússia e China) alcance os termos finais de um acordo que normatize e limite as pretensões nucleares iranianas. Entre todos os países envolvidos nas negociações nenhum está mais interessado no sucesso das conversações do que os EUA – o Irã também, claro, na medida em que espera ficar livre das sanções internacionais. Mas, sob o ponto de vista do impacto político, o governo Obama precisa tanto deste acordo quanto os iranianos necessitam dele para recuperar suas perdas econômicas.
No entanto, da mesma maneira como aconteceu em abril – quando houve consenso quanto a um acordo preliminar –, a reta de chegada desta última semana de junho promete muita tensão, discussão e questionamento. Na última quarta-feira, o aiatolá Ali Khamenei, maior autoridade do Irã, já deixou claro que espera a suspensão das sanções antes da assinatura do acordo. Era tudo o que a Casa Branca não precisava. Se já há muita resistência interna nos EUA, as palavras de Khamenei acrescentaram ainda mais desconfiança.
O secretário de Estado John Kerry, que está à frente das negociações pelos americanos, procurou minimizar as palavras e alegou que se trata de um discurso doméstico. O problema para Kerry é que esta é, na prática, uma situação sem saída. Nem pode elevar o tom – sob ameaça de interromper o diálogo –, nem pode dar a entender que P5+1 estaria disposto a fazer mais concessões.
Vale lembrar também que em novembro de 2016 ocorrem as eleições americanas. Após oito anos de governo democrata, Hillary Clinton navega por águas tranquilas em sua candidatura até agora (os republicanos ainda não apresentaram um nome que pudesse rivalizar com a ex-primeira dama e ex-secretária de Estado). Por isso a oposição não vai pensar duas vezes em tentar mudar este cenário com as armas que tiver disponíveis. Sejam elas quais forem.
Um dos principais nomes no comando desta missão é o senador republicano Bob Corker (foto), representante do partido no Comitê de Relações Externas do Senado. O objetivo dos republicanos não é apenas questionar ideologicamente o projeto de acordo defendido pelo governo, mas também atuar politicamente para dificultar sua aprovação. Corker é autor da lei, já em vigor, que obriga o presidente Obama a submeter um eventual entendimento com o Irã ao Congresso até o dia 9 de julho. Quando isso acontecer, as duas Casas (Senado e Câmara dos Deputados) terão 30 dias para se posicionar sobre os termos acordados em Viena. Obama pode vetar qualquer parecer dos congressistas – e deve mesmo fazer uso desta possibilidade.
Mas aí o Congresso tem uma maneira de driblar o veto presidencial. E aposto que este deve ser o assunto que irá movimentar o debate político em Washington – e principalmente as negociações de bastidores – em algum momento do segundo semestre deste ano. Os deputados e senadores podem ter a palavra final sobre o acordo com o Irã caso dois terços dos congressistas americanos das duas Casas se oponham à decisão do presidente.
Esta é uma possibilidade real e, se realmente ocorrer, irá movimentar todas as forças políticas dos EUA. Este é o tipo de discussão tão desgastante que pode mudar inclusive o que parece ser um caminho tranquilo para os democratas nas próximas eleições. E é justamente em função disso que acredito que os republicanos não irão perder a oportunidade de alongar este assunto ao máximo. Já escrevi por aqui que, na maioria das situações, questões de política externa não costumam influenciar decisivamente em eleições. Se este cenário que descrevi se confirmar, haverá um exemplo bastante representativo de que, em algumas circunstâncias, esta premissa não se aplica.
quinta-feira, 25 de junho de 2015
As razões por trás da decisão americana de alocar equipamentos militares na Europa oriental
A Rússia reage mal quando pressionada. Esta não é uma novidade. Com Putin à frente do país, a política de enfrentamento com o Ocidente passou a ser determinante às ambições nostálgicas do presidente. Diante da divulgação do projeto americano de armar Estados do leste europeu, a tendência é que Moscou reaja. OS EUA irão alocar na Europa oriental tanques, veículos de guerra e artilharia. A ideia é reforçar a Otan, a aliança militar ocidental, e responder principalmente às demandas do leste europeu – que se sente cada vez mais ameaçado pela Rússia.
Houve uma sucessão de acontecimentos desde a invasão russa à Ucrânia no ano passado. A decisão de Putin de anexar a Crimeia e Sevastopol causou alarme aos ex-membros da União Soviética e da chamada Cortina de Ferro. Este era um movimento de certa maneira já previsto pelos russos, mas, mesmo que Putin imaginasse uma reação ocidental mais assertiva, ele tinha a seu favor os eventos de agosto de 2008, quando a Rússia invadiu a Geórgia e, na prática, não foi confrontada pela comunidade internacional. A Ucrânia pode ter sido mais uma tentativa de testar os limites. Por mais que as sanções ainda estejam em vigor e a economia russa perceba seus efeitos reais (principalmente neste momento de crise), a resposta militar não aconteceu. Ou, pelo menos, alguma sinalização disso.
Os países do Báltico (Estônia, Letônia e Lituânia) jamais se sentiram seguros. Se os russos se consideram ameaçados pelas incursões ocidentais em sua antiga esfera de influência, há no Báltico a certeza de que é lá onde Putin dará a sua próxima cartada no jogo político internacional. O Kremlin nunca aceitou de fato a adesão de ex-repúblicas soviéticas à Otan.
Este jogo de soma zero ganha agora elementos da Guerra Fria; os americanos aportam armamento na fronteira russa; os russos acrescentam mais 40 mísseis balísticos intercontinentais em seu arsenal nuclear. Há uma evidente escalada e os dois lados já deixaram o discurso para trás. Por ora, em termos práticos, a Rússia deu os passos mais importantes (e ousados): na guerra da Geórgia, em 2008, e na anexação de parte do território ucraniano, em 2014. Nenhuma dessas ações foi respondida. Até agora.
Os equipamentos militares americanos serão colocados em seis territórios: Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia e Romênia. É uma resposta clara ao temor desses países, mas também uma tentativa de reforçar a Otan, aliança cuja existência já vinha sendo questionada. De um lado, atende ao propósito de Washington de não deixar morrer uma organização importante para sua estratégia de presença global; de outro, cumpre com a promessa de mandar um recado claro aos russos sem necessidade de envolvimento direto na guerra da Ucrânia. O único problema deste caminho é que há outras questões em que os interesses americanos cruzam com os russos. Um caso especial é o Irã. No próximo dia 30, vence o prazo final estipulado pelo P5+1 (EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Rússia e China) para alcançar os termos definitivos do acordo nuclear com o Irã. Por mais que os americanos estejam à frente do processo de negociação, a Rússia tem relação mais próxima com Teerã. Não seria surpreendente se, diante do movimento americano na Europa, Moscou optasse por dificultar a situação com os iranianos.
Putin sabe como Obama considera prioritário resolver a crise nuclear com Teerã. Este seria um dos principais legados internacionais dos oito anos de governo Obama. Com americanos e russos em rota de colisão, os eventos se misturam e as decisões dos lados influenciam diretamente em questões que, aparentemente, não estão relacionadas.
terça-feira, 23 de junho de 2015
Com indefinição da UE, Rússia se aproxima da Grécia
A cada nova decepção com a Europa, a cada perspectiva de mais exigência de austeridade, a cada novo índice negativo os dirigentes gregos desistem um pouco mais da União Europeia. O eixo das relações do país pode estar aos poucos em mudança. Em Atenas, há agora a possibilidade de buscar novos parceiros, principalmente aqueles que acenam com dinheiro neste momento de torneiras fechadas e caras amarradas em Bruxelas. O olhar da Grécia busca o leste. E o presidente russo, Vladimir Putin, busca o contra-ataque ao Ocidente. A crise da Grécia é sua grande oportunidade.
Em menos de três meses, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, já esteve na Rússia duas vezes. Na última visita, dia 19 de junho, não saiu de mãos vazias. Em São Petersburgo, fechou com os russos um acordo preliminar no valor de 2 bilhões de dólares para a construção de um gasoduto. Rússia e Grécia têm um ponto comum: ambos se consideram injustiçados pelo Ocidente. Esta união dos rejeitados é oportuna aos dois governos. Para a Grécia, apresenta a perspectiva de ter algum trunfo nas negociações com os parceiros europeus, além de garantir, em médio prazo, uma fonte de receita permanente. Para a Rússia, as vantagens são ainda mais significativas.
A política externa de Putin se fundamenta na formação de alianças para se contrapor ao que considera como investidas ocidentais – para Moscou, o Ocidente faz ameaças constantes ao território russo. Para Putin, o caso ucraniano é emblemático, assim como todas as tentativas de expansão da UE aos países orientais do continente. Diante da guerra na Ucrânia (em que os russos anexaram as regiões da Crimeia e Sevastopol), o governo Putin, pessoas do círculo pessoal do presidente, empresas governamentais e privadas passaram a sofrer sanções da UE e do governo americano. Com a crise instalada – a economia não deve crescer, mas encolher 4,5%, e as reservas já caíram 28% desde o início de 2014 –, é preciso buscar alternativas econômicas e geopolíticas. O negócio do gás é o grande trunfo do Kremlin. Não é novidade, os russos já fizeram uso desta carta antes, principalmente após o processo histórico que ficou conhecido como a Revolução Laranja, em 2004, também em função de eventos políticos na Ucrânia.
A Ucrânia é um ponto de apoio fundamental à Rússia. É pelo território do país que passa a maior parte dos gasodutos russos. São esses gasodutos que abastecem cerca de 10% da demanda de gás de toda a União Europeia. Diante da guerra na Ucrânia e do confronto com a UE, a Rússia sabe que este é o momento para mudar a rota do gás. A Grécia surgiu como alternativa econômica e política. O megaprojeto de refazer os dutos irá permitir a Moscou se livrar da dependência dos ucranianos, reconstruindo os gasodutos pelos territórios turco e, possivelmente, grego. Do ponto de vista político, a Grécia é uma aliada ainda mais importante. É uma maneira de sinalizar o poder russo aos europeus. O raciocínio é simples: se a UE estiver disposta a levar a Ucrânia a seu campo de influência, a Rússia aponta que pode fazer o mesmo, mas de maneira oposta, com a Grécia.
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Grexit: a saída da Grécia
O impasse na Grécia chegará ao fim no próximo dia 30. De alguma maneira, a situação estará resolvida – o que não significa dizer que estará solucionada positivamente a ambas as partes, a própria Grécia e a União Europeia. Este é o prazo final estabelecido para que o governo grego pague ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e a “parceiros” da UE pouco mais de 1,5 bilhão de euros em dívidas. As rotas de colisão estão chegando a seus limites máximos, na medida em que há, como em qualquer disputa financeira, há pontos de vista contraditórios em jogo.
A Alemanha é a principal interessada na permanência grega, mas também a mais firme credora das dívidas do país mediterrâneo. Com economia altamente complexa e tendo como fundamento a exportação, o país precisa da União Europeia. É uma mão que afaga mas que também cobra. A saída da Grécia deixa os alemães vulneráveis. O bloco é uma espécie de âncora a suas exportações. Se os devedores abandonarem o barco e a UE se dissolver (mesmo num longo prazo), a Alemanha precisará buscar alternativas para vender seus produtos. A primeira-ministra Angela Merkel está à frente das negociações com os gregos em função disso tudo.
A Grécia chegou ao limite. Os cidadãos não está pagando a dívida do país apenas com impostos mais altos, mas também com redução de emprego e até comendo menos. Não por acaso a esquerda venceu as últimas eleições. Os gregos optaram pelo discurso de Alexis Tsipras que prometeu acabar com a austeridade. Este é mais um elemento nas negociações; Tsipras não pode voltar a Atenas com notícias ruins – no que diz respeito ao aumento de impostos, para ser bastante claro. Tsipras não pode trair os votos que recebeu. É possível dizer que a Grécia não aceitará propostas que incluam medidas que pressionem ainda mais os cidadãos do país.
Se a situação é delicada, é importante também lembrar que a ameaça de calote é um aspecto importante do poder de negociação de Atenas. A dívida hoje já tem peso insuportável à economia grega. Caso o país não receba ainda mais empréstimo internacional, simplesmente não terá condições de pagar. Para ser bastante claro, a única solução razoável do ponto de vista grego é a que envolve o perdão total ou parcial de seu montante de dívida. Caso isso não aconteça, a Grécia anunciará calote e entregará o problema no colo de seus credores. Mesmo que isso signifique deixar a zona do euro e buscar novos parceiros internacionais. E, para azar da UE, a alternativa de parceria aos gregos é a Rússia de Vladimir Putin.
sexta-feira, 19 de junho de 2015
A crise envolvendo a cerca na Hungria é também sintoma dos graves desafios europeus
A Hungria está no centro de uma nova polêmica europeia que vai muito além das questões pontuais do país. O governo húngaro decidiu construir uma cerca de quatro metros de altura e 175 quilômetros de extensão em toda a fronteira sul. Há muitos países que criaram as próprias barreiras em regiões de fronteira, mesmo na Europa – casos de Turquia e Espanha, por exemplo.
Mas a questão húngara é interessante porque carrega intrinsecamente os muitos dilemas europeus deste século – e que devem permanecer por muito tempo. O país é governado pelo primeiro-ministro Viktor Orban, do partido de direita Fidesz. Como em muitos outros Estados do continente, a extrema-direita vem obtendo resultados significativos, atendendo a uma parcela do eleitorado que, entre outros assuntos, vê a imigração como ameaça à identidade nacional e, principalmente, aos empregos.
No entanto, a situação na Hungria não pode ser explicada somente como mais um caso local de sucesso do discurso da extrema-direita. Há outras implicações. A cerca será construída ao longo da fronteira com a Sérvia. Enquanto os húngaros são membros da União Europeia desde 2004, os sérvios ainda pleiteiam adesão ao bloco. O lado oriental do continente continua a perceber a UE como oportunidade (a situação na Ucrânia é mais um exemplo deste raciocínio), ao contrário dos vizinhos ocidentais. Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Irlanda já se beneficiaram da associação e vivem dias turbulentos de crise econômica instalada há sete anos. A Grécia inclusive pode deixar o bloco de vez.
Há nisso tudo uma espécie de movimento estratégico de médio e curto prazos; eventualmente, Estados que participaram da fundação da UE podem sair e dar lugar a novos membros – casos de Ucrânia e Sérvia, por exemplo. A Grã-Bretanha é mais um exemplo de desilusão com o bloco, na medida em que há pressão política para que seus cidadãos decidiam em referendo nacional se o país deve ou não permanecer.
Voltando aos planos de construção da cerca, os sérvios já questionam abertamente o governo húngaro. Para a Sérvia, a barreira física pode se transformar em elemento de distanciamento ainda mais profundo do bloco europeu. A geografia ajuda a entender as razões deste impasse: a chamada rota ocidental dos Bálcãs é porta de entrada a muitos dos migrantes que fogem de conflitos na África e no Oriente Médio. O imenso contingente de pessoas que busca refúgio e uma nova vida na Europa encontra mais facilidade de chegar à UE por meio do território sérvio – e, posteriormente, húngaro.
A cerca a ser construída é sintoma de mais um dilema europeu contemporâneo (talvez o mais importante de todos): como lidar com os migrantes? De acordo com pesquisa da ONU, há hoje um total de 59,5 milhões de pessoas deslocadas à força. Ou seja, este não é um assunto que a UE poderá simplesmente esquecer.
Os europeus precisam equacionar alguns elementos bastante complexos: como não perder os países-membros fundadores e economias importantes (caso da Grã-Bretanha); como permitir a adesão de novos países sem que o bloco precise fazer investimentos financeiros para igualar economias estruturalmente desequilibradas dentro da zona do euro num período de crise; como manter a premissa fundamental da UE que prevê a livre circulação de pessoas (artigo 45 do Tratado da União Europeia); como sobreviver enquanto bloco unificado diante das pressões exercidas pelos ascendentes movimentos de extrema-direita.
Todos esses desafios são algumas das principais dificuldades que a UE irá enfrentar nos próximos anos. O prognóstico é de mudança no modelo de operação do bloco para que ele se sustente. Essa discussão por si só já será bastante prejudicial à manutenção dos atuais membros e deve comprometer a estrutura existente hoje.
quinta-feira, 18 de junho de 2015
Pré-candidatura de Donald Trump é a maior vitória democrata até agora
A pré-candidata democrata à presidência dos EUA Hillary Clinton deve estar rindo à toa. Neste momento, além de ser o nome mais popular na corrida presidencial, a ex-primeira dama e ex-secretária de Estado está relaxada assistindo ao debate no partido Republicano. Com seus quase 15 pré-candidatos, os republicanos estão preocupados com os nomes que têm surgido para atrapalhar a escolha interna. Nada mais sintomático do que a candidatura do bilionário Donald Trump, o acontecimento mais perturbador ao partido até agora.
Trump conseguiu construir fortuna de nove bilhões de dólares. Além de empresário bem sucedido, conquistou fama apresentando um reality show. O problema para os republicanos é que Trump expõe as entranhas do partido. Não que os republicanos necessariamente discordam de tudo o que diz, mas Trump fala demais – e não se incomoda em ser uma hipérbole política. Muito pelo contrário. O empresário e candidato a candidato já abriu o jogo sobre suas posições em política externa. Eis algumas das declarações durante o lançamento de sua campanha:
“Vou construir uma grande, grande muralha na nossa fronteira do sul e vou obrigar o México a pagar por ela – guardem minhas palavras. Ninguém vai ser mais duro com o Estado Islâmico do que Donald Trump (como Pelé, às vezes ele também fala sobre si na terceira pessoa). (...) Vou impedir o Irã de obter armas nucleares, e não vamos usar homens como o secretário Kerry (John Kerry, secretário de Estado) que não sabe absolutamente nada de negociação, que está fazendo um acordo (com o Irã) terrível, que está sendo aproveitado (pelo Irã) enquanto eles produzem armas neste exato momento, que participa de uma corrida de bicicleta aos 72 anos de idade, cai e quebra a perna”.
Esta não foi a declaração completa. Trump também chama de farsa o aquecimento global e diz ter um plano infalível para derrotar o EI. Ele não explica exatamente qual é sua estratégia já que se trata de um trunfo diante dos demais candidatos republicanos e porque, claro, isso tornaria o plano vulnerável.
Em relação à economia interna, considera que políticas de estímulo do Federal Reserve (o banco central americano) ameaçam a saúde financeira e enfraquecem o dólar. Nos EUA, quando o governo dá a entender que irá participar do estímulo econômico, os republicanos iniciam uma campanha ofensiva, dando ao presidente o adjetivo mais ofensivo do cenário político local: socialista.
Trump não deve ser o candidato republicano, mas a forma como expõe suas perspectivas para o país – e o mundo – torna o partido ainda mais vulnerável no debate com os democratas.
terça-feira, 16 de junho de 2015
Os planos do Estado Islâmico em curso na Líbia
Após a captura e morte de Muamar Kadafi, em 2011, o então primeiro-ministro do Conselho Nacional de Transição da Líbia, Mahmoud Jibril, deu uma declaração para lá de otimista sobre as perspectivas a partir daquele momento: “Confirmamos que todos os males, mais Kadafi, desapareceram deste amado país. Acho que os líbios precisam perceber que é hora de começar uma nova Líbia, uma Líbia unida, um povo, um futuro”. Hoje, quatro anos depois, a realidade é bem diferente. A Líbia não tem mais um ditador, mas, por outro lado, passou a figurar na lista de Estados nacionais falidos. Há dois governos rivais que não se reconhecem e disputam o direito de comandar o país.
Tudo isso tem algo de imaginário, uma vez que, na prática, o território líbio é retalhado entre os diversos grupos terroristas e suas diferentes fidelidades. Desde o último dia 9, o grande vencedor do Oriente Médio desses tempos tomou a cidade de Sirte, justamente onde Kadafi nasceu e, posteriormente, foi capturado. O Estado Islâmico está na Líbia e vem ampliando seus domínios.
Kadafi foi derrotado por uma coalizão de países ocidentais, com o apoio da Otan (a aliança militar ocidental), ainda na esteira da Primavera Árabe e acabou substituído por regimes que se contrapõem entre si e que não tem poder de fato sobre a integralidade do território. A disponibilidade da Líbia serviu como porta de entrada aos grupos terroristas da região e, de forma dramática, ao EI.
Diante desta falta de perspectivas, os EUA realizaram o primeiro ataque aéreo ao território desde a ofensiva de 2011. Dois caças F-15 bombardearam uma propriedade em Ajdabiya, no leste do país. Em teoria, o ataque matou Mokhtar Belmokhtar, conhecido por sua habilidade de fugir de inimigos. Belmokhtar era argelino e já havia sido considerado morto outras vezes. Durante muitos anos foi traficante de cigarros e chegou ao posto de um dos principais lideres da al-Qaeda no Norte da África (também conhecida como al-Qaeda do Magreb). Foi também um dos primeiros membros do grupo a exigir pagamento de resgate para libertar reféns como forma de levantar dinheiro. Além disso, o governo americano suspeita de seu envolvimento no ataque ao consulado de Bengazi, em 2012, em que o embaixador Chris Stevens e outros três cidadãos dos EUA foram mortos.
A suposta morte de Mokhtar Belmokhtar provocou interesse internacional em função dos feitos do terrorista. Mas há algo de estranho na situação em que estava envolvido quando foi atacado pelos caças dos EUA; uma reunião entre membros da al-Qaeda e do Estado Islâmico. Os dois grupos são rivais e o EI nasceu como dissidência à organização criada por Osama bin Laden. Já se sabe que, nas operações do dia a dia, as duas facções vêm se aproximando. Há notícias de membros da al-Qaeda que se filiaram ao EI. Há outros grupos, como o Boko Haram, na Nigéria, que já declararam fidelidade a Abu Bakr al-Baghdadi, o autodenominado califa do EI.
Não há dúvidas de que o Estado Islâmico é hoje a organização terrorista mais temida em todo o mundo. É também o grupo que consegue atrair mais seguidores internacionais e que exerce a maior influência no jogo político regional. O assassinato de Belmokhtar pode se transformar num símbolo do momento em que o mundo descobriu que o Estado Islâmico está obtendo sucesso em se tornar o guarda-chuva do terrorismo internacional, deixando para trás a al-Qaeda e absorvendo seus membros e capacidade militar. O que era ruim pode piorar.
segunda-feira, 15 de junho de 2015
Os curdos no novo cenário político da Turquia
Apesar de não ter vencido as eleições, o Partido Democrático do Povo (HDP) conquistou um feito histórico: pela primeira vez concorrendo sob uma mesma legenda os curdos ultrapassaram o mínimo de 10% de votos e estarão representados no parlamento. Os 80 membros eleitos do partido – de um total de 550 assentos da Assembleia Nacional – adicionam um elemento novo no jogo político oficial. Especialmente neste momento de indefinição quanto aos rumos da Turquia.
Os curdos correspondem a 18% dos pouco mais de 80 milhões de habitantes do país. Desde 1984, o movimento nacionalista que reivindica mais direitos à minoria encontrou representatividade no Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) . O grupo seguiu o caminho da guerrilha, fez atentados no país e seu líder, Abdullah Ocalan, está preso de 1998. O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), do presidente Recep Tayyip Erdogan, iniciou processo de aproximação com os curdos, na tentativa de encontrar uma solução para suas as demandas e resolver mais de 30 anos de conflito. Em fevereiro de 2015, os anos de negociações secretas entre Ocalan e o governo turco pareciam estar prestes a terminar, e o líder curdo determinou que seus correligionários se reunissem para tentar alcançar um acordo definitivo e dar fim à luta armada que, de acordo com autoridades da Turquia, já causou a morte de 40 mil pessoas.
No entanto, a disputa eleitoral provocou a interrupção do que parecia ser o caminho natural que daria fim às hostilidades. Na tentativa de alcançar a maioria absoluta do parlamento, a campanha do AKP passou a retratar o HDP – o partido oficial curdo – como indiferente aos interesses nacionais da Turquia. Simultaneamente, Erdogan enfureceu a minoria ao se recusar a fornecer ajuda militar aos curdos da Síria durante os combates contra o Estado Islâmico. O HDP, por sua vez, optou por apresentar agenda mais liberal, em busca de apoio nacional. O plano funcionou e o partido agora é parte do sistema e tenta encontrar uma saída para o nó político formado a partir da divulgação dos resultados eleitorais. A tática do AKP de isolar as ambições políticas curdas para conseguir mais votos e obter a maioria absoluta no parlamento não funcionou. Agora, Erdogan parece ser vítima da própria estratégia, na medida em que as demais legendas ainda não acenaram com a possibilidade de coalizão.
Durante as comemorações pelos resultados das eleições, Selahattin Demirtas, líder do HDP, declarou que o “debate sobre a ditadura” havia terminado, numa clara referência aos planos de Erdogan – por ora fracassados - de alterar o sistema de governo. Politicamente, os curdos não podem ser ignorados por Ancara. Mas, se a representatividade da minoria está garantida, Erdogan ainda mantém a maioria do parlamento e pode alcançar a sonhada maioria absoluta caso consiga formar aliança com o Partido do Movimento Nacionalista (MHP) que obteve 80 cadeiras no parlamento. É pouco provável que isso aconteça, mas não é impossível. Se em algum momento os partidos adotarem o pragmatismo e se unirem, terão a maioria absoluta na Assembleia Nacional, com 338 assentos. Para os curdos, representaria um novo desafio, na medida em que o MHP se opõe à concessão de mais direitos à minoria.
quinta-feira, 11 de junho de 2015
Eleitores turcos não dão maioria absoluta a partido de Erdogan e futuro político do país segue indefinido
O atual presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, sofreu seu maior revés desde o início deste século a partir da divulgação dos resultados eleitorais do último dia 7. O presidente, ex-primeiro ministro e personalização de homem forte da Turquia está passando por dias difíceis, ainda mais quando comparados aos tempos de vitórias incontestáveis do passado recente.
O AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento), fundado por Erdogan em 2001, venceu todas as eleições no país nos últimos 13 anos. Os resultados que emergem da urna ainda mantêm o AKP na posição de maior legenda partidária turca, mas já não garantem a mesma força de outros tempos. A ginástica política de Erdogan lhe permitiu revezar-se na liderança do país; após 11 anos como primeiro-ministro, passou o cargo a seu chanceler – Ahmet Davutoglu, seu homem de confiança – e se candidatou à presidência. Venceu com 51,8% dos votos e encarava as eleições deste ano como a possibilidade de obter a maioria absoluta no parlamento e, com isso, alterar o sistema de governo para o presidencialismo – o que o levaria novamente ao principal cargo executivo do país.
Os turcos rejeitaram esta proposta, deixando claro que não estão dispostos a dar poderes plenos a Erdogan. O AKP fez importantes investimentos em infraestrutura, e a Turquia pôde usufruir de crescimento econômico no período em que os vizinhos ocidentais na Europa estavam mergulhados na crise financeira. A partir de 2001, Ancara experimentou média de crescimento de 6% até 2008, alcançando 9% em 2010 e 2011. Nos últimos dois anos, no entanto, a expansão do PIB caiu para 2%. Mesmo continuando a crescer, houve redução no ritmo, o que pode ter causado impacto nos cidadãos comuns e na percepção sobre o desempenho do governo – ainda mais de um governo personalizado num líder. Erdogan não pode mais ostentar resultados econômicos impressionantes como os dos últimos 14 anos.
Resta agora ao AKP negociar com adversários históricos: pela primeira vez, os curdos – que representam 18% da população – conseguiram ultrapassar o mínimo de 10% de votos exigidos por lei (fizeram 12 pontos percentuais) e estarão representados no parlamento pelo Partido Democrático do Povo (HDP); o Partido Republicano do Povo (CHP), principal bloco de oposição a Erdogan, obteve 25%; e o Partido do Movimento Nacionalista (MHP) conquistou 16,5% dos votos. Nenhuma das três legendas se mostrou disposta a formar um governo de coalizão com o AKP.
Por isso, as possibilidades ainda não estão claras e certamente haverá extensas negociações de bastidores. De toda forma, Erdogan conta com a possibilidade de convocar novas eleições, caso em 45 dias as articulações para a formação de um novo governo não obtenham sucesso.
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Eleições na Turquia: partido de Erdogan vence, mas presidente não terá força suficiente para alterar constituição
Não deu para o presidente, ex-primeiro ministro e político mais poderoso da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. O líder turco foi derrotado em seu teste mais ousado. A ambição que incluía a mudança do sistema de governo para o presidencialismo acabou adiada em função dos resultados eleitorais. Seu partido, o AKP, não obteve os 330 assentos no parlamento – número necessário para promover referendo nacional e alterar a constituição do país.
Esta é uma derrota numérica, mas não o fim de Erdogan, é bom deixar claro. O AKP ainda se mantém como a principal força nacional e sai das eleições com 258 cadeiras (atualmente, tem 327). Este é um recado da população e pode ser entendido como um freio em suas posições cada vez mais extremadas.
Os resultados eleitorais também mostram um país preocupado com a política econômica. A partir de 2001, o governo turco realizou reformas que renderam ao país números consideráveis, principalmente quando comparados aos vizinhos europeus: média de crescimento de 6% até 2008, alcançando 9% em 2010 e 2011. Nos últimos dois anos, no entanto, o PIB caiu para 2%. Mesmo continuando a crescer, houve redução, o que naturalmente causa impacto nos cidadãos comuns e na percepção sobre o desempenho do governo – ainda mais de um governo personalizado num líder. Erdogan não pode mais ostentar o poderio econômico dos últimos 12 anos.
Por tudo isso, depois de sucessivas de vitórias nas urnas, o AKP vai precisar exercitar a capacidade política de formar uma coalizão. O dado histórico é a conquista dos curdos; unidos sob a legenda HDP, conseguiram obter 13% do total de votos e estarão representados no parlamento. Os próximos dias serão de negociações intensas para a formação do novo governo. Para entender o cenário dessas eleições, clique aqui.
sexta-feira, 5 de junho de 2015
Eleições na Turquia: o grande teste ao personalismo político de Erdogan
Nos últimos 12 anos, o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) venceu todas as eleições na Turquia. Há poucos paralelos no mundo de resultados políticos tão impressionantes. A legenda do atual presidente Recep Tayyip Erdogan saiu vitoriosa das urnas em disputas nacionais (para presidente e eleições legislativas) e municipais. São 12 anos de variação também sobre as percepções internacionais aos discursos e decisões de Erdogan e suas intenções regionais.
O AKP chegou a ser considerado modelo para o Oriente Médio. Visto como empenhado na manutenção da democracia turca, pareceu exemplo a países da região que, em 2011, não sabiam como equilibrar as intenções da Primavera Árabe (eleições livres e transparentes, imprensa independente, crescimento econômico etc) às características locais (o peso da religião e a importância de manter costumes sem negar o mundo contemporâneo).
Houve momento também em que Erdogan se tornou o líder muçulmano mais admirado nos países islâmicos (árabes ou não). Em maio de 2010, a Turquia foi a principal patrocinadora de uma frota de seis navios que tentou furar o bloqueio de Israel a Gaza. O episódio foi amplamente capitalizado pelo então primeiro-ministro turco, e o embate retórico pessoal entre ele e os israelenses contribuiu bastante em sua tentativa de resgatar o prestígio da Turquia no Oriente Médio.
Mas o tempo passou e Erdogan se deixou seduzir pelo poder. Em 2013, pôs em prática repressão pesada a protestos contrários à decisão de transformar a área do Gezi Park, em Istambul, num shopping. Em cenas que pouco tempo depois seriam vistas aqui no Brasil, policiais foram violentos na abordagem aos manifestantes, lançando gás lacrimogêneo e canhões d’água.
Erdogan chegou a bloquear o acesso a Youtube e Twitter, passando também a processar jornalistas e lutar pela aprovação de uma lei que penaliza participantes de manifestações que não tenham sido autorizadas pelas autoridades. As perseguições sistemáticas a opositores e dissidentes levantaram ainda mais suspeitas sobre o ex-primeiro ministro e atual presidente, mas o realismo político das relações internacionais não permite a parceiros comerciais – mesmo críticos às práticas turcas – ignorar o poder do país, Estado nacional estratégico e cuja importância geopolítica e econômica é evidente neste momento de crise europeia e mudanças no cenário do Oriente Médio.
Nessas eleições, os curdos da Turquia também tentam, pela primeira vez, concorrer como grupo político organizado. Se o Partido Democrático do Povo Curdo (HDP) obtiver ao menos 10% dos votos, estará representado de maneira unificada no parlamento. A situação curda não é tranquila. Maior minoria étnica e linguística do país, os 14 milhões de curdos representam 18% da população turca. Seja qual for o resultado das eleições, a situação deve permanecer tensa; no parlamento, podem ser oposição a Erdogan. Se não forem eleitos, podem optar por buscar autonomia por conta própria, sem negociação com Ancara.
No ano passado, Erdogan se tornou o primeiro presidente eleito da Turquia (entregou o cargo de primeiro-ministro a Ahmet Davutoglu, seu ex-chanceler). Se o partido o AKP conquistar ao menos 330 dos 550 assentos do parlamento neste domingo, o líder turco poderá realizar um referendo nacional de forma a alterar a constituição para que o país adote o presidencialismo. Na prática, está em jogo uma espécie de aprovação às próprias ambições políticas de Recep Tayyip Erdogan e aos últimos 12 anos do AKP no poder.
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Bashar al-Assad, a luta contra o EI e as prioridades americanas no Oriente Médio
Neste texto (clique aqui para ler) expus a estratégia do presidente sírio, Bashar al-Assad, para se manter no cargo. Ele admitiria perder parte do território – pelo menos temporariamente – ao Estado Islâmico em nome de reforçar o pragmatismo ocidental em torno de si. Sem Assad, a vitória estaria garantida ao EI. Por alto, é por aí. O texto explica de maneira mais aprofundada. Mas, de qualquer maneira, é importante deixar claro que isso não significa que o presidente sírio irá abrir mão da Síria. Sua posição deve ser a de reforçar enclaves na região costeira, Damasco, Hama e Homs. Assad também se vale do conflito sectário regional mais amplo, o que coloca em disputa os eixos de Estados e atores não-estatais de xiitas e sunitas.
A família Assad é alauíta, minoria muçulmana – e minoria na Síria – que seria mais próxima aos xiitas. Os sunitas do EI pretendem construir o califado islâmico sunita. Assad sabe que nem ele nem seus aliados xiitas fazem parte deste projeto. E, claro, os Estados nacionais da região não estão dispostos a cooperar para o próprio fim. Em virtude disso, a guerra entre xiitas e sunitas está em curso da maneira mais dramática. Deixou de ser apenas uma espécie de batalha silenciosa local e foi posta em prática na Síria e no Iraque. Assad aposta também em seus aliados regionais: a milícia xiita libanesa Hezbollah (já em operação na Síria) e o Irã – o Estado xiita regional cujas pretensões de hegemonia no Oriente Médio são históricas e que agora chegaram ao ápice.
O caso iraniano é emblemático. É uma história de idas e vindas; em 1979, a revolução local estabeleceu um sistema que rompeu com os EUA. As relações com o Ocidente ficaram rarefeitas. O programa nuclear iraniano impulsionou negociações com os ocidentais, e o governo do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad isolou o país. Discursos favoráveis ao fim de Israel e a sistemática – e provocativa – negação do Holocausto transformaram a relação entre Ocidente e o Irã num problema. O temor de guerra regional deu ao projeto nuclear iraniano o caráter de prioridade internacional. A posse de Hassan Rouhani, em agosto de 2013, foi interpretada como possibilidade de distensão. Considerado moderado, seu governo acenou ao Ocidente. Em abril deste ano, o acordo preliminar com o chamado P5+1 (grupo formado por EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China) foi extensamente capitalizado como vitória – pelos dois lados, é bom dizer. O acordo final precisa ser alcançado até o final do mês de junho. Este é o prazo formal estabelecido, pelo menos até agora.
Justamente nesta semana, o presidente Rouhani reafirmou sua aliança com Bashar al-Assad (“Teerã não esqueceu suas obrigações morais com a Síria e continuará a fornecer ajuda e apoio em seus próprios termos ao governo e à nação Síria”). Há aí alguns aspectos a serem analisados: o primeiro deles é o peso que o Irã deve dar a esta questão. Evidentemente, as autoridades do país entendem a dinâmica regional. A relação entre iranianos e o governo Assad é de interdependência. O Irã precisa fortalecer seus aliados regionais de forma a conter o eixo sunita e não se isolar ainda mais. Bashar al-Assad precisa dos iranianos para manter a aliança xiita. Neste jogo global, o Irã é agora mais um porta-voz dos interesses xiitas (e do governo Assad) diante do Ocidente. Nas negociações de bastidores do acordo definitivo com o Irã, o P5+1 deve ser questionado sobre os avanços do Estado Islâmico e a manutenção de Bashar al-Assad como presidente da Síria.
O outro lado da história tem a ver com o posicionamento dos EUA. O presidente Obama não conseguiu se transformar no presidente americano que resolveria as pendências globais. Esta era a expectativa internacional. Era também a imagem que a equipe de Obama construiu do então candidato. No ano que vem, os americanos vão às urnas novamente, e Obama precisa apresentar resultados (como já expliquei anteriormente, nenhum país vota em função da política internacional, mas é importante construir narrativa vencedora até para que o candidato Democrata possa argumentar nos debates). Diante da impossibilidade prática de alcançar resultados determinantes no conflito entre israelenses e palestinos, a atual administração percebeu que pode terminar o mandato com duas grandes conquistas: a reaproximação com Cuba e o acordo definitivo com o Irã – visto com um dos patrocinadores do terrorismo internacional, o acordo já tem sido defendido internamente nos EUA como a desmobilização de um dos mais importantes opositores aos interesses de americanos e seus aliados.
Todos esses elementos tornam a situação na Síria bastante delicada em Washington; os EUA não nutrem qualquer afeição a Assad, principalmente após o episódio de uso de armas químicas no país (leia aqui). Por outro lado, precisam negociar com o Irã, encontrar algum ponto de acomodação em troca do acordo; e, ao mesmo tempo, manter os Estados sunitas aliados (Egito, Arábia Saudita, países do Golfo) conformados. A divergência entre as monarquias do Golfo Pérsico e o Irã é histórica, da mesma forma que a aliança entre americanos e sauditas. Como é pouco provável equacionar todos esses elementos, os americanos deverão eleger prioridades. E as prioridades deste momento são o acordo nuclear com o Irã e a manutenção dos aliados sauditas. O governo de Bashar al-Assad talvez consiga se beneficiar deste cenário.
terça-feira, 2 de junho de 2015
Para começar a vencer o EI, Iraque precisa superar rupturas internas
A derrota do exército iraquiano em Ramadi (tema de texto aqui no site, leia) deu ainda mais dramaticidade ao encontro dos membros da coalizão internacional. Em Paris, ao menos 20 dos 60 Estados participantes da ofensiva de contenção ao Estado Islâmico devem ao menos reavaliar as estratégias colocadas em prática. Mas, se a perda – mesmo que se prove temporária – de Ramadi lança evidentemente um alerta generalizado, há muita expectativa sobre o atual primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi.
Se há algo de permanente nos últimos anos no Oriente Médio é a divisão sectária entre sunitas e xiitas. Este não é um fenômeno novo, mas os acontecimentos recentes deixam claro o aprofundamento das hostilidades entre os dois grupos. A Primavera Árabe e o alinhamento dos Estados regionais a partir desta premissa não deixam dúvidas. E os grandes atores internacionais sabem disso, claro. Entendem também que os governos iraquianos não têm contribuído para acalmar os ânimos internos e esfriar rivalidades. E é deste vácuo de costura nacional, desta ausência de empenho, que o EI tem se aproveitado.
O EI se reafirma como o grupo representante dos sunitas – o que é especialmente atraente à minoria sunita iraquiana. Ao reforçar as cores da divisão sectária, o EI se fortalece diante desta parcela da população do Iraque que se percebeu deslocada do processo de tomada de decisões e desprestigiada pelo país que emergiu do vácuo deixado pelo ditador Saddam Husssein. Os sunitas iraquianos (cerca de 40% dos cidadãos) foram abandonados durante os dois mandatos do ex-primeiro ministro, o xiita Nouri al-Maliki (2006 a 2010 e 2010 a 2014).
Por mais que as estratégias militares internacionais estejam na pauta das discussões em Paris, a melhor maneira de convencer esta parcela dos iraquianos a desconsiderar o discurso do também sunita EI é correr para concretizar um Estado nacional que supere as rivalidades sectárias. É evidente que isso não acontece de um dia para o outro, mas é impossível solucionar as questões nacionais iraquianas desconsiderando este fato óbvio. Isso não irá derrotar o EI, mas enfraquecerá seu apelo interno.
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Para Bashar al-Assad, na Síria, quanto mais avanços do Estado Islâmico, melhor
A cidade de Palmira, na Síria, está sob controle do Estado Islâmico. Se por um lado o foco internacional se concentra no destino de suas ruínas (que contam mais de dois mil anos de história), há questões ainda em aberto sobre as razões da derrota do exército oficial sírio diante do EI.
É possível fazer uma relação entre duas derrotas recentes para os terroristas do EI. Em Ramadi, no Iraque, ficou evidente a fragilidade do exército iraquiano. No caso sírio, não se pode falar em fraqueza. As forças do presidente Bashar al-Assad teriam condições plenas de vencer os terroristas. Mas isso não aconteceu. Há algo de muito estranho no ar.
Em janeiro deste ano, os curdos expulsaram os jihadistas do EI da cidade síria de Kobane, fronteiriça com a Turquia, depois de mais de quatro meses de combates. Não se pode comparar a milícia curda da Síria ao exército oficial sírio.
Equipada por anos na corrida armamentista permanente do Oriente Médio, as forças leais de Bashar al-Assad não têm poderio desprezível: são 4,5 mil tanques, 4,5 mil veículos militares terrestres, 650 sistemas de lançamento de mísseis, 462 aviões de combate, 168 helicópteros e efetivo de mais de 150 mil militares. É claro que a guerra civil em curso desde 2011 está corroendo esta capacidade, mas o exército sírio poderia, se quisesse, empenhar esforços plenos para derrotar o EI. Assad não o faz. E é possível que esta decisão seja parte de um esforço estratégico mais amplo.
Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos – grupo de oposição a Assad baseado na Grã-Bretanha – metade do território da Síria está hoje sob controle do EI. As forças leais ao presidente sírio se concentram na luta contra os grupos aliados aos opositores internos. É possível que Assad propositalmente venha permitindo avanços do EI, uma vez que sabe do temor ocidental ao grupo – também temido pelos demais Estados nacionais da região.
Mesmo cambaleado diante do isolamento internacional, Assad vem conseguindo se manter no cargo de presidente da Síria. Para ele, o EI é uma oportunidade para ser reavaliado pelas potências ocidentais. Quanto maior o avanço do grupo pela Síria, maior é o temor dos Estados da região e menor a disposição das potências ocidentais para pressionar Assad. Isso porque o movimento contrário ao presidente sírio também é difuso e inspira pouca confiança à comunidade internacional.
Este raciocínio parece resumir a aposta de Bashar al-Assad para mudar as pretensões ocidentais sobre o futuro da Síria. Ele entende que a melhor maneira de se manter no comando do país é insistir na redução das alternativas internacionais, reduzindo a percepção das possibilidades de saída. Ou ele ou o Estado Islâmico. Sob o ponto de vista estritamente pragmático, Assad quer dar publicidade à velha equação de que “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”.
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