É difícil analisar as mudanças do planeta num início de século tão conturbado. Terrorismo, guerra contra o terrorismo, aquecimento global e, agora, crise econômica. São temas tão grandiosos e que nos afetaram com tanta rapidez, que ainda é cedo para avaliar as consequências disso tudo na maneira como entendemos nossa presença no mundo.
A crise é a fonte de discussão do momento. Mas ela veio pra ficar mesmo e, ao contrário dos demais assuntos, o Brasil não vai ficar imune. Podemos e estamos preparados para enfrentá-la, mas vamos sentir na pele seus efeitos, assim como todo o mundo ocidental. Se em relação às outras duas grandes discussões dos últimos oito anos conseguimos fingir de morto, a crise das finanças não vai nos permitir a tranquilidade do conforto de um país em desenvolvimento e periférico na maior parte dos debates mundiais.
E muito porque o ocidente cristão, americano e europeu está metido nisso dos pés à cabeça. Como já escrevi outras vezes, num mundo unido pela força quase incontestável da globalização, que ninguém pense que fenômenos aparentemente desconexos têm profunda relação entre si.
É o que nos mostra os acontecimentos dos últimos meses. Os americanos não conseguiram pagar as hipotecas. Crise financeira. Queda de braço entre Rússia e Ucrânia. Manifestações em diversos países europeus por conta do efeito dominó, como Grécia e França. Desemprego. Novas manifestações. Declaração do bispo negacionista do Holocausto num momento onde o ódio aos imigrantes e às minorias volta à tona. Ataques à sinagoga e instituições judaicas de Caracas. Pode parecer improvável estabelecer um encadeamento entre estes fatos. Mas não é.
As graves consequências políticas estão começando a eclodir. Na última sexta-feira, o Fundo Monetário Internacional divulgou um comunicando projetando a redução de 6% da economia ucraniana neste ano. A indústria química e de aço local está demitindo milhares de trabalhadores. Cidades inteiras estão há dias sem água e aquecimento porque a população simplesmente não consegue pagar as contas. A moeda local, a hryvnia, já perdeu cerca de 40% do poder de compra.
“Há pouco tempo considerada símbolo mundial de desenvolvimento e da democracia de livre-mercado, a Ucrânia está oscilando. E esta situação de apuro que se anuncia estabelece uma verdadeira ameaça para outras economias europeias e também ex-repúblicas soviéticas”, escreve o jornalista Clifford J. Levy na edição de hoje do The New York Times.
Simultaneamente a isso, instituições fortíssimas começam a entrar em crise de existência. É o caso até da União Europeia, cujos líderes se reuniram neste domingo em caráter de emergência numa tentativa de arrefecer ânimos exaltados que ameaçavam a unidade do bloco.
“O tradicional conceito de solidariedade está sendo minado por medidas que pressionam por protecionismo em alguns países-membros. Particularmente, os intensos problemas em novos ‘sócios’ egressos da ex-URSS só têm tornado a discussão mais difícil”, escrevem Steven Erlanger e Stephen Castle, também do NYT.
Num jogo de encadeamento que se torna mais complexo, a única certeza é que as decisões econômicas afetam o cotidiano político, que, por sua vez, influencia diretamente nosso dia-a-dia. A tendência é que, infelizmente, a situação piore cada vez mais. Até porque, como a história nos ensina, é preciso encontrar bodes expiatórios para justificar demissões, inflação, redução do poder de compra etc. E todo mundo já viu este filme.
Se alguém – como eu mesmo – duvidava da possibilidade de uma escalada de violência internacional por conta da crise financeira, é chegada a hora de parar e fazer uma nova leitura dos últimos acontecimentos.
Um comentário:
Sim, Henry. Quando o Leste Europeu começou a reassumir os contornos pré-Iª Guerra eu me perguntei sobre isso também, se os mesmos problemas não iriam se repetir.
Quem sabe agora, com uma comunicação maior entre as pessoas em países diferentes, o que irá crescer não será o descontentamento e o desprezo com a péssima representação política que temos? Ontem mesmo lia um artigo nesse sentido em um jornal britânico, reclamando da falsidade e da fisiologia do governo. Se não estivesse em inglês, poderia jurar que era do Brasil que o articulista falava.
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