Um dos acontecimentos internacionais mais importantes do ano parece ter encerrado seu ciclo nesta semana. O navio turco Mavi Marmara retornou a Istambul para delírio da multidão que aguardava o maior símbolo da deterioração das relações entre Israel e Turquia. O episódio ocorrido em 31 de maio é fato histórico que conseguiu atingir seu objetivo: isolar ainda mais Israel. Com sofisticado pensamento estratégico e bem sucedida utilização dos meios de comunicação, os militantes que participaram do evento conseguiram sucesso simultâneo em duas frentes distintas: a condenação internacional a Jerusalém e a flexibilização do bloqueio a Gaza.
De quebra, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, alavancou sua popularidade não apenas no país, mas em todo o mundo islâmico. A crise desencadeada pela flotilha foi apenas o ponto alto de uma nova forma de condução da política externa por Ancara. Ao se aproximar de países como Síria e Irã, fragilizar as relações com os israelenses era apenas uma questão de tempo.
Os acontecimentos do final de maio foram a forma mais inteligente encontrada para levar a cabo tal projeto. Não apenas conseguiu manter os diálogos com Israel no nível mínimo, mas também encontrou resultados muito raros politicamente: a equação conhecida como ganha-ganha. A Turquia maximizou seus lucros sob todos os pontos de vista.
Agora, com o retorno do Mavi Marmara, a polêmica é reacesa. E é claro que a situação se mantém na mesma. O governo turco exige um pedido formal de desculpas por conta da morte dos noves militantes a bordo. O governo israelense diz lamentar as mortes, mas reafirma que não irá se retratar justamente por manter a posição de que seus soldados agiram em legítima defesa. Este impasse deve continuar.
A diferença, no entanto, é que o alto-escalão político de Israel conta com um poderoso adversário interno: o ministro das Relações Exteriores Avigdor Lieberman continua a expor todo a cúpula do governo com seus comentários sinceros e de pouca capacidade de análise de cenários. A última polêmica foi classificar o primeiro-ministro e o chanceler da Turquia de mentirosos, e a Autoridade Palestina, de ilegítima.
Como a intenção de Lieberman não é definitivamente exercer qualquer função produtiva para seu país, mas apenas capitalizar ganhos ao próprio partido, é possível entender onde ele quer chegar com suas declarações. Para ele, quanto pior, melhor. E com isso conseguiu se transformar numa tremenda dor de cabeça interna. O problema é que sua legenda é parte da coalizão que sustenta o governo de Benjamin Netanyahu. Ciente disso tudo, Lieberman age como bem entende. Essas as razões explicam comportamento tão inadequado a alguém que ocupa pasta tão importante.
O imbróglio entre turcos e israelenses irá continuar. Principalmente por conta das eleições parlamentares que acontecerão em junho de 2011 na Turquia. Na ocasião, o país também discutirá os termos de sua nova constituição. Certamente, o AKP, partido do primeiro-ministro Erdogan, vai refrescar a memória dos eleitores ao reacender o episódio da flotilha de Gaza. Como o caso mexeu com os corações turcos e alçou o status de Erdogan, retomar boas relações com Israel seria uma espécie de gol contra.