sexta-feira, 8 de abril de 2011

Apesar do crescimento da insatisfação popular, posição de Assad ainda não está ameaçada

Ainda na onda do fenômeno político que ficou conhecido como “Primavera Árabe”, novamente o caso da Síria é exemplar dos distintos impactos das revoltas populares internas. Por ora, é difícil vislumbrar a queda do regime de Bashar al-Assad. É, aliás, pouco provável que, assim como em Egito e Tunísia, a insurgência se torne massificada e bem sucedida. Há tantas características distintas em cada um dos países que agrupar todas as manifestações políticas sob um mesmo slogan atende simplesmente a uma demanda que poderíamos chamar de “publicitária”. Se as revoltas não se transformam em produtos comerciais palpáveis, elas são consumidas como produtos intangíveis.

 

Não acho possível analisar em tão pouco tempo se todo o fenômeno ainda em curso se transformará em alguma forma de ideologia clara. Acho que não, sinceramente. No entanto, é evidente que as populações não aceitam mais que líderes autoritários determinem os destinos e rumos dos países. Num ambiente altamente repressor, comunicar tal insatisfação com sucesso – como tem ocorrido – já é, por si só, uma vitória digna de muitas notas históricas. Como tenho escrito desde os primeiros dias de manifestações, considerar que o próximo passo é a tomada dos governos para a constituição de administrações democráticas é mera especulação. Em alguns dos países, acho mesmo pouco provável que isso aconteça. É o caso da Síria.

Ao contrário de Tunísia, Egito e (em boa parte) Líbia, os militares sírios não devem aderir às manifestações. Como não se pode pasteurizar os movimentos populares árabes, a Síria possui características distintas dos países que encontraram na participação das forças armadas a base mais importante no bem sucedido processo de derrubada dos regimes. O caso sírio é muito específico e tem a ver com as divisões religiosas internas do país.

Já foi amplamente repetido que o governo de Damasco é controlado pela minoria alauita, que representa algo entre 12% e 18% dos 22 milhões de habitantes. Os sunitas, majoritários e excluídos do sistema de poder, são cerca de 75% da população. Os principais cargos militares e dos aparatos de segurança da Síria estão entregues a comandantes e generais alauitas aliados de Assad. Sem a participação do poder coercitivo, sem a adesão dessas forças, as manifestações populares não irão conseguir derrubar o atual presidente.

E a intrincada linha que torna a posição de Assad tão segura passa pela fidelidade dos alauitas. Como eles estão nos cargos de defesa e segurança e são plenamente conscientes de sua condição minoritária no país, sabem que estão no mesmo barco do presidente. Se Assad cair, os militares seguem o mesmo caminho. E há inúmeros exemplos na história humana de como se comportam grupos marginalizados quando conseguem derrubar seus opressores.

Se não bastasse esta aliança, Assad conseguiu construir uma boa imagem entre a população. Para isso, procura se desvincular ao máximo da corrente religiosa que segue e tenta dar ao Estado a importância máxima. Ao contrário de outros líderes locais, estimula nacionalismo laico e, ao mesmo tempo, não entra em embates religiosos com os sunitas. Para completar, suas ações internacionais deixam claro que a Síria tem importância estratégica. E a posição geográfica contribui para aumentar o peso do país. Com a aliança política que aproximou Damasco de Irã e Turquia, não seria tarefa simples levar adiante intervenção estrangeira como a da Líbia – cujo sucesso ainda está longe de ser alcançado.

A posição de Assad como presidente da Síria não está ameaçada. E nada leva a crer que as circunstâncias que o mantêm no poder estão para mudar.

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