O começo de 2011 tem sido bastante movimentado. Além das duas tragédias óbvias – Líbia e desastres naturais no Japão –, a Costa do Marfim é outro palco da guerra por poder. Em comum a todos esses acontecimentos, uma novidade que aos olhos de qualquer um que acompanha política causa certa surpresa: o protagonismo francês está de volta. Há quem defenda que isso reflete interesses pessoais do presidente Sarkozy (cujos índices de aprovação andam em baixa). Não discordo inteiramente deste argumento, mas não credito a atuação firme de Paris somente a isso.
No caso japonês, Sarkozy foi o primeiro chefe de Estado a visitar vítimas e a se encontrar com autoridades do país após terremotos e tsnunamis. Pode ser que o presidente francês quisesse fazer média ou mesmo ganhar popularidade doméstica. Mas nunca é demais lembrar que causas humanitárias costumam mobilizar os franceses. Por isso, parece-me natural a demonstração de solidariedade.
E aí chegamos aos dois outros palcos de exercício de força francesa; Líbia e Costa do Marfim. O apoio popular doméstico à participação da França na coalizão internacional é amplo. Se hoje o país atravessa momento de profunda divisão política interna – inclusive com a tentativa por parte da extrema-direita de se reinventar em busca de mais eleitores –, a decisão de Sarkozy de fazer uso do aparato militar para proteger vidas em risco recebeu elogios. É claro que a situação pode mudar, caso a guerra leve mais tempo do que previsto. E, como tenho escrito, a incursão no norte da África pode sofrer um revés, se ficar evidente que os rebeldes não são simples contestadores de Khadafi, mas um grupo que tem seus próprios interesses políticos e econômicos (eu tendo a apostar nesta possibilidade. Por isso insisto em voltar a este assunto com alguma frequência).
Além de tudo, a França tem um tanto de sorte. Nos casos de Líbia e Costa do Marfim, as ações militares internacionais foram autorizadas pela ONU. O padrão de engajamento internacional do país reforça o papel central exercidos pelas organizações multilaterais. Vale lembrar o clima de oposição entre França e EUA quando os americanos decidiram atravessar o poder da ONU e invadir o Iraque, mesmo sem qualquer prova concreta quanto à existência de armas de destruição em massa no país. No passado recente, a doutrina internacional francesa segue as determinações das Nações Unidas.
E a situação na Costa do Marfim segue mais ou menos o mesmo padrão. Até a intervenção das forças francesas, os nove mil soldados de paz da ONU estacionados no país nada fizeram para impedir que a violência se espalhasse pelo território. Não se sabe com precisão, mas o enfrentamento entre partidários, milícias e tropas leais a cada um dos candidatos que reivindicam a presidência já causou a morte de cerca de mil pessoas. A França enviou militares e equipamentos à Costa do Marfim por uma razão muito simples: proteger os 12 mil cidadãos franceses que estavam no país. Apenas isso. Mas a sorte parece acompanhar Sarkozy. Aliás, sorte ou competência para criar oportunidades. A intervenção francesa conseguiu, além de seu objetivo inicial, a promessa de Gbagbo (o presidente derrotado nas urnas, em novembro passado, mas que insistia até hoje em seu direito de permanecer no cargo) de interromper os confrontos.
Ou seja, tudo leva a crer que a França deixará a Costa do Marfim deitada sobre os louros da vitória. Este é um momento especial para a política externa francesa. Amparada pelos organismos multilaterais, o país decidiu ir ao campo de batalha para defender o “lado certo da história”. Se já não bastasse Carla Bruni, Sarkozy agora vai ter mais motivos para fazer Barack Obama morrer de inveja.
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