quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sobre iPads, China e o Conselho de Segurança da ONU

Considero natural que o resultado mais visível da visita da presidente Dilma Rousseff à China seja a decisão da empresa taiwanesa Foxconn de fabricar iPads no Brasil. Este é o aspecto mais sedutor do ponto de vista comercial. O produto é um dos objetos mais desejados da atualidade e a publicidade trabalha com isso mesmo, desejo. E como os limites entre Jornalismo e publicidade estão cada vez mais tênues, as notícias repercutindo a produção dos aparelhos soaram quase como celebração. Pelo que li, há um tom curioso em boa parte das notícias, como se fabricar iPads representasse uma espécie de passaporte do Brasil ao clube dos países privilegiados. É um pouco isso sim, mas este tipo de exaltação acaba por deixar de lado a grande notícia política do encontro: o apoio chinês à aspiração brasileira a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Textualmente, a declaração formal de Beijing permite diferentes interpretações: “A China atribui alta importância à influência e ao papel que o Brasil, como maior país em desenvolvimento do hemisfério ocidental, tem desempenhado nos assuntos regionais e internacionais, e compreende e apoia a aspiração brasileira de vir a desempenhar papel mais proeminente nas Nações Unidas”.

É claro que há um cuidado muito grande ao se redigir este tipo de texto. Declarações de governos são impactantes de muitas maneiras. Alteram índices econômicos, afetam a percepção externa e podem piorar relações com outros países. E a reforma do Conselho de Segurança é tema delicado porque interessa a muitos países. A ampliação do CS é o maior objetivo do Itamaraty no governo Dilma. Foi também a principal ambição de Lula durante seus oito anos na presidência.

Para a China, política externa é sempre um tema delicado. Como não se pode destacar o assunto de todo o resto, a percepção externa sobre a China considera bastante sua atuação econômica. Se o Brasil de Dilma tem mostrado pragmatismo a partir do uso de sua força econômica para abrir portas políticas, o caso chinês é um pouco diferente. Produtos baratos que invadem e quebram mercados, pirataria massificada e interferência estatal sobre o valor da moeda não podem ser chamados de “aliados” diplomáticos de Beijing, convenhamos. Mas manter o crescimento é a prioridade chinesa, uma vez que, mesmo absolutamente queimada quando se discute direitos humanos ou liberdade de imprensa, ninguém cogita excluir o país dos principais fóruns econômicos e políticos mundiais.

O Brasil tem história completamente diferente. Potência emergente, precisa apresentar credenciais para alcançar sucesso político. O país precisa lutar formalmente pelo reconhecimento que considera devido. Assim, faz uso consciente de seu grande mercado, por exemplo, e do crescimento econômico recente.

Declarações favoráveis à ascensão política internacional brasileira são moedas de troca. E não pode ser ignorado o fato de que, num espaço de menos de dois meses, os dois principais atores econômicos do mundo tenham se colocado ao lado de Brasília – vale lembrar que, quando esteve por aqui, o presidente Obama deu declaração semelhante à chinesa. Mas conseguir reformar o CS é um trabalho de longo prazo mesmo. Afinal, não apenas o país, mas outros tantos lutam pela sua ampliação (a proposta brasileira inclui aumentar o número de cadeiras de 15 para 25).

Se já está óbvio que o mundo mudou e a representação política estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial não atende mais, o Brasil precisa continuar em sua árdua tarefa. O tempo é favorável às pretensões do Itamaraty. O sistema internacional simplesmente não é mais o mesmo de meados do século 20 e este já é fato consumado. A formalização desta grande mudança é só uma questão de tempo. Pouco tempo.

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