Analistas e a grande imprensa ainda não conseguiram extrair a notícia intrínseca aos novos documentos vazados pelo WikiLeaks sobre a prisão de Guantánamo: é preciso entender o papel da organização de Julian Assange e como ela encontrou papel único, novo e relevante neste novo mundo. O site não é um veículo de informação tradicional e nem pretende assumir tal condição. O WikiLeaks é hoje um ator relevante no cenário internacional.
Assim como Estados e grandes organizações privadas, Assange criou um pilar geopolítico contemporâneo. E aí vale um passo atrás para explicar tal constatação; parte das guerras recentes não teve como protagonistas apenas exércitos nacionais. Foi assim em dezembro de 2008, quando Israel e Hamas se enfrentaram em Gaza; da mesma forma em 2006, quando o Hezbollah enfrentou Israel no confronto que ficou conhecido como a Segunda Guerra do Líbano. As disputas armadas entre Estados nacionais e organizações paramilitares de ideologia e prática radical têm marcado o início do século 21. E vale dizer que os EUA permanecem em guerra contra a al-Qaeda – já devidamente metamorfoseada em franquia – e o Talibã.
Casos simbólicos da nova estrutura política do Oriente Médio, al-Qaeda, Hamas e Hezbollah têm objetivos mirabolantes. No fundo, sabem da improbabilidade de alcançá-los. No entanto, as batalhas que travam nesses tempos apresentam vitórias indiscutíveis: todos eles conseguiram se afirmar como atores regionais incontestáveis cujas agendas se tornaram conhecidas mundialmente. Hoje, não é possível discutir seriamente cenários e possibilidades a Afeganistão, Paquistão, Gaza e Líbano sem mencionar todos esses grupos.
Por mais estranho que pareça, a situação do WikiLeaks é semelhante. O site não conta com simpatizantes ou militantes armados, mas seu objetivo é muito claro: pôr em discussão sua própria agenda internacional. E ninguém questiona como as informações distribuídas por Assange são capazes de mobilizar governos e a grande imprensa. O atual imbróglio envolvendo os documentos secretos de Guantánamo é circunstancial. Ao expor os enganos cometidos em Guantánamo e detalhes do tratamento dispensado aos prisioneiros, o WikiLeaks conseguiu retomar a discussão sobre o fechamento da prisão americana em Cuba – determinado por Obama em 22 de janeiro de 2009, mas ainda longe de ser concretizado.
E mais: colocou no mesmo saco o atual presidente e o anterior, George W. Bush, forçando a Casa Branca a emitir comunicado em que faz questão de deixar claro que muitos dos documentos dizem respeito aos anos de governo republicano. Do ponto de vista da imprensa, Julian Assange conseguiu pautar as discussões sobre a guerra ao terrorismo justamente dez anos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Antes da publicação do primeiro editorial em recordação dos trágicos eventos ocorridos em solo americano, o WikiLeaks divulga informações incômodas sobre a prisão que se transformou no principal alvo de críticas de organizações de direitos humanos. É um petardo de discurso.
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