Hamas e Fatah, os dois grupos de maior representatividade entre os palestinos, anunciaram nesta quarta-feira um acordo de união nacional. Segundo comunicado, todas as rivalidades foram superadas e seus líderes estão dispostos a formar um governo de união nacional para anunciar eleições gerais a serem realizadas no prazo máximo de um ano. A notícia pegou de surpresa não apenas os próprios palestinos, mas também os demais interessados no assunto: Israel, EUA, União Europeia e todos os muitos atores internacionais interessados no conflito árabe-israelense e na disputa particular entre israelenses e palestinos.
Foto: No Cairo, representantes dos dois grupos anunciam o acordo
Há muitas interpretações sobre os cenários futuros a partir de uma mudança tão profunda. E digo isso porque, de 2007 até agora, Hamas e Fatah foram inimigos práticos e teóricos. O Hamas passou a controlar Gaza, de onde expulsou os militantes do Fatah, e manteve o discurso radical condenando a própria existência do Estado de Israel. Neste meio tempo, ainda entrou em confronto armado com os israelenses (na guerra de dezembro de 2008). Já o Fatah reforçou sua posição diplomática e o controle político e burocrático da Autoridade Palestina.
De repente, ambos anunciam um acordo completo. Os quatro anos de batalha física e verbal foram esquecidos. Uma nova era está por vir. Como ex-namorados reconciliados, o passado deve permanecer no passado. Nada de perguntas ou cobranças sobre relacionamentos anteriores. Para quem acredita em contos de fadas, sugiro abandonar a leitura deste texto e buscar todas as muitas notícias disponíveis sobre o casamento real britânico.
No caso palestino, a realidade é pragmática. Escrevi sobre a grande derrota recente da Autoridade Palestina: o constrangimento causado pela divulgação de documentos secretos pelo WikiLeaks dando conta de ofertas injustificáveis aos palestinos comuns, como abrir mão de reivindicar a soberania por toda a Jerusalém Oriental. Para quem não está lembrado, o vazamento segmentado promovido por Julian Assange aconteceu em janeiro deste ano. Ainda é uma ferida aberta principalmente sob o ponto de vista dos principais negociadores palestinos envolvidos no imbróglio.
As lideranças da Autoridade Palestina só se mantiveram em seus cargos porque tiveram muita sorte. E esta sorte passou a ser conhecida como a “Primavera Árabe”, a onda de manifestações populares que todo mundo tem acompanhado. Só tais eventos tiveram dimensão grande o bastante para eclipsar as informações contidas nos documentos. Se eles nunca tivessem existido, fatalmente a cúpula palestina já teria caído, e a Cisjordânia seria palco de uma grande insurreição popular.
Os líderes do Fatah sabem disso. O mesmo vale para a liderança do Hamas. A união anunciada agora só foi possível porque os grupos se equivalem em perdas e ganhos. O Hamas não tem legitimidade internacional. Por mais que hoje o grupo tenha se afirmado como ator regional relevante, seus métodos e discurso radicais impedem o salto de qualidade político. O Fatah tem legitimidade, tornou-se a principal força da Autoridade Palestina e o interlocutor oficial dos palestinos. Mas perdeu Gaza para o Hamas e, por isso, na prática é um governo que controla a metade do território. O Fatah perde sempre nas negociações com Israel porque, de fato, não pode assumir compromissos sobre Gaza, justamente o ponto nevrálgico das relações entre israelenses e palestinos. Afinal, é de lá que são lançados os mísseis que atingem a parte sul do Estado judeu.
Fatah e Hamas decidiram se unir neste momento devido às questões listadas acima. Mas não somente por conta delas. Se há algo que atemoriza os dois grupos da mesma maneira é a possibilidade de sublevação interna. Se as manifestações no mundo árabe salvaram as cabeças dos líderes da AP num primeiro momento, protestos por democracia, eleições livres e periódicas e imprensa livre soam mal aos ouvidos de militantes de Fatah e Hamas. Ao anunciar um governo de união nacional e já fixar um prazo para a realização de um pleito geral, as lideranças políticas palestinas tentam furar a onda que tomou os países árabes. Afinal, se ela alcançou um regime tão policialesco como o da Síria, por que também não se espalharia por Cisjordânia e Gaza?
E por último, mas não menos importante, a AP conduz um movimento sério de buscar reconhecimento internacional ao Estado palestino. A ideia é declarar a constituição formal do país em setembro, na assembleia geral da ONU. Esta seria a maior vitória política desde a criação da Autoridade Palestina, em 1994, após os Acordos de Oslo. Certamente, o Hamas não quer ficar de fora dessa. Se continuasse a se contrapor ao Fatah, poderia ser percebido domesticamente como contrário ao Estado palestino, o sonho nacional da maior parte dos palestinos – e isso inclui a população que vive em Gaza sob o governo do Hamas.
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