Na sexta-feira, escrevi sobre o caos que toma conta da Líbia. A situação é muito mais complexa do que parece, não apenas pela grande desinformação reinante entre todas as partes envolvidas, mas também porque há múltiplos interesses no jogo de poder político regional. O século 21 pode estar apenas no começo, mas os acontecimentos internacionais dramáticos que já marcam sua história ensinaram algumas lições. Do ponto de vista geopolítico, a mais sangrenta delas é de que uma guerra não é apenas uma disputa violenta entre dois Estados nacionais; mas uma sucessão de batalhas entre atores diversos e muitas vezes profundamente ideologizados, como os grupos fundamentalistas islâmicos.
E, é claro, a partir do momento em que uma coalizão internacional de países (de fato liderada pelos EUA) decide atacar numa nova frente no Oriente Médio, esses grupos paramilitares não poderiam ficar de fora. E talvez este tenha sido um dos erros mais graves cometidos por americanos, franceses e britânicos: imaginaram que, ao contrário de Iraque e Afeganistão, a campanha líbia poderia ser encarada somente como missão pragmática. Faltou combinar com os opositores.
Há informações de que guerreiros islâmicos que estiveram presentes no Afeganistão estariam infiltrados entre os chamados “rebeldes”. E, como escrevi na sexta, ninguém sabe muito sobre os oponentes a Khadafi, além do fato óbvio de que eles lutam pela queda do regime. O Wall Street Journal, inclusive, informa que um desses combatentes, identificado como Ben Qumu, teria sido capturado pelo Paquistão. Prisioneiro americano, passou seis anos em Guantánamo – onde estão os acusados de atos terroristas contra os EUA. O WSJ lista mais três casos semelhantes.
A ofensiva internacional (mais ocidental e mais americana e europeia, vamos dizer a verdade) partiu de um pressuposto intrínseco certo e errado: certo porque é bastante lícito o argumento de interromper a matança indiscriminada de civis promovida por Khadafi; errado porque não deixou claro quais eram os seus reais objetivos. Por exemplo, como já escrevi também, alcançar um cessar-fogo e manter o país sob controle de Khadafi não é apenas estranho, mas também pode passar recibo de incompetência. E não apenas porque ele certamente cantaria vitória, mas porque os rebeldes com os quais a coalizão se alinha ficariam em posição delicada.
Fora o fato de que o grupo possivelmente não está disposto a chegar a um acordo com o ditador. Posso estar errado, mas a oposição líbia partiu para uma guerra sem volta. Ou seja, ou Khadafi deixa o poder ou as batalhas continuam.
Some-se a tudo isso o jogo de poder político regional. A ascendente Turquia não poderia ficar de fora. No domingo, o país enviou um navio de assistência humanitária para resgatar feridos de Misrata. Por trás da empreitada, o financiamento do grupo IHH, aliado do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan. O IHH é conhecido por suas afiliações islâmicas que incomodam setores domésticos por ameaçar o tênue equilíbrio entre islamismo e política. Para quem não se lembra, é o mesmo grupo que patrocinou a polêmica tentativa de furar o bloqueio israelense a Gaza, em maio do ano passado.
E, sob o ponto de vista do presidente americano, Barack Obama, surge mais um problema no início de sua campanha em busca da reeleição em 2012. Já se sabe que a CIA está em contato com os rebeldes líbios. A Inteligência americana tem fornecido treinamento ao grupo. Certamente, o fato de haver ex-combatentes afegãos entre os opositores será lembrado pelos republicanos no momento mais conveniente. Como Obama poderá justificar o auxílio a fundamentalistas islâmicos que, há pouquíssimo tempo, combatiam as forças americanas no Afeganistão?
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