quinta-feira, 14 de abril de 2011

Irã volta às manchetes e mexe ainda mais com dinâmica regional

Há muito tempo não escrevo sobre o Irã. A ausência do país por aqui reflete a postura discreta adotada por Ahmadinejad e Khamanei nesses tempos de manifestações populares no mundo árabe. Mas agora isso deve mudar. Não porque Teerã tenha decidido se pronunciar ou agir abertamente, mas porque a imprensa americana fez hoje uma denúncia grave: segundo o Wall Street Journal, a ideia de que as autoridades iranianas estão simplesmente esperando para ver o resultado de todo este processo de mudanças regionais é balela.

De acordo com supostas comunicações interceptadas por espiões americanos, o Irã tem apoiado ativamente as oposições xiitas em Iêmen e Bahrein. Também estaria auxiliando a repressão promovida pelo presidente Bashar al-Assad na Síria.

Não era preciso grande aparato logístico envolvendo pessoal de inteligência para imaginar algo do tipo. Mas tal “mão-de-obra” especializada pode conseguir provar isso. São situações diferentes. Tenho certeza de que os analistas do governo americano estavam seguros de que a república islâmica se movimentaria quando julgasse necessário. E isto acontece agora por razões que tem a ver com a disputa política e militar em jogo no Oriente Médio: a corrida pela liderança entre Estados xiitas e seus aliados ideológicos e países sunitas que contam com o apoio dos Estados Unidos. Sei que este assunto pode parecer chato a muitos leitores porque volto a ele com frequência. Devo dizer, infelizmente, que ele não pode ser ignorado.

E Ahmadinejad e Khamenei tampouco deixam isso de lado. A diferença é que para eles esta é uma questão quase obsessiva. Os países têm metas internacionais distintas. Escrevi ontem, por exemplo, sobre as ambições brasileiras. O Irã não é diferente, mas tem intenções para lá de grandiosas: pretende se firmar como potência hegemônica regional. E, para isso, não mede esforços e precisa muito de aliados com os quais possa contar.

A pretensa vitória iraniana pode ser obtida estrategicamente de duas formas: quebrando a silenciosa coalizão de atores sunitas ou atraindo ainda mais aliados de forma a tornar a região politicamente homogênea (caso de um improvável quadro onde a oposição às ambições iranianas seria irrelevante. Considerando que Israel, EUA e Arábia Saudita jamais estarão no mesmo lado que o Irã, logo esta possibilidade inexiste). No entanto, as autoridades da república islâmica podem tentar minar a estabilidade de Estados sunitas já em combustão. Justamente por conta desta lógica, as supostas descobertas de espiões americanos fariam sentido.

A outra possibilidade complementar gira em torno da manutenção das alianças existentes. Por isso faz sentido também a informação que dá conta do auxílio técnico fornecido pelos iranianos à repressão de Assad. Ninguém discute a importância regional da Síria. Menos ainda, os diferentes tons de cores da aliança formada por Irã, Síria e Turquia. O Irã é a antítese dos interesses americanos; a Síria é um aliado iraniano temido que Washington ainda alimentava alguma expectativa de seduzir; e a Turquia é um gigante islâmico liberal que faz parte da Otan, mas que, nos últimos anos, decidiu se aproximar de Damasco e Teerã sem deixar de lado seus próprios interesses no Ocidente.

O Irã voltou à ativa porque percebeu que corria risco real de perder a Síria. Atrair Damasco era um dos planos de Washington. Por isso Obama não mencionou a repressão aos movimentos populares determinada por Assad, Por isso a secretária Hillary Clinton arriscou a própria imagem ao se referir ao presidente sírio como um reformista. A cúpula de governo americano não quis ter participação na mudança. Agora isso também mudou. E não por acaso depois da divulgação das supostas descobertas dos espiões americanos. Como Washington acredita que a Síria está realmente recebendo apoio iraniano, Assad está fora das possibilidades de atração por ora. Daí a mudança nos termos usados. O presidente sírio deixou de ser reformista e a repressão promovida por ele mereceu o adjetivo “ultrajante” do comunicado oficial divulgado pela Casa Branca. Voltou a ser um inimigo formal.

Com Irã, Síria e EUA empenhados, o tabuleiro do Oriente Médio definitivamente voltou a se movimentar em alto-escalão.

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