O discurso de Obama em Ancara foi estrategicamente elaborado. Cada linha, vírgula e até mesmo as pausas para a tradução do intérprete serviram aos propósitos do presidente americano e da nova política externa que o governo dos EUA aos poucos vem tentando implementar. Ovacionado por mais uma plateia encantada com seu carisma, ele reviveu os dias de campanha. Aliás, parece mesmo que esses dias ainda não terminaram.
O que tem causado um misto de admiração, perplexidade e otimismo no público do planeta é a sensação de que, depois de oito anos de governo Bush, novamente a maior potência do mundo é liderada por alguém que se importa com o destino de quem vive além das fronteiras americanas. Mais do que isso, Obama sabe o poder de cada palavra proferida quando se ocupa a presidência dos Estados Unidos.
Na capital da Turquia, ele conseguiu acertar com precisão nas bolas de sinuca espalhadas pela mesa do jogo da diplomacia global. Prestou homenagem aos donos da casa, não apenas para retribuir a recepção, mas para conquistar os turcos e levá-los para seu lado num momento tão importante, quando a prioridade é não perder o controle de Afeganistão e Paquistão.
Já escrevi sobre a Turquia na semana passada, mas não custa repetir os motivos que tornam o país tão fundamental: apesar de enfraquecido por conta do conflito em Gaza, a relação com Israel é considerada boa. Ancara pode atuar como intermediária na costura de um acordo entre israelenses e sírios. Além disso, o país faz fronteira com Iraque e Irã, além de ter grande influência no Afeganistão.
Obama também acalmou os ânimos dos ouvintes ao dizer que os EUA não abrem mão do compromisso da solução de dois Estados para dois povos no conflito entre israelenses e palestinos. Justamente no momento em que o novo ministro das relações exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, dá a entender que o recém-empossado governo não está necessariamente comprometido com os acordos de Annapolis. E pouco tempo depois de o primeiro-ministro turco discutir em público com Shimon Peres no Fórum Econômico de Davos.
Para causar mais impacto, o presidente americano também defendeu a inclusão turca na União Europeia, opinião que causou controvérsia, gerando críticas até mesmo de Sarkozy. Nesse cabo de guerra mundial, Obama mais uma vez se deu melhor, recebendo até editorial elogioso no Times, um dos mais respeitados jornais europeus.
“A Turquia é uma prova viva de que Islã e democracia podem coexistir. Ninguém defende que (a Turquia) está pronta para se tornar o 28º membro da UE, mas os Estados Unidos abraçaram a ideia. A Europa deve fazer o mesmo”.
Talvez o caminho de Obama seja mais simples, até pela rejeição de Bush. Fazendo tudo ao contrário, o novo presidente americano está conseguindo abrir as portas do mundo. Pode parecer contraditório, mas o maior aliado de Obama parece ser mesmo a política externa de Bush.
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