Todo o processo em curso no Oriente Médio pode ser compreendido através dos próprios acontecimentos da história recente da região e, mais especificamente, do conflito árabe-israelense. A estratégia usada para acabar com o bloqueio israelense a Gaza não se trata de nenhuma novidade. Basta analisar como foram conduzidos outros episódios similares cujas resoluções terminaram por representar vitória árabes - ou melhor, ganhos políticos expressivos da aliança xiita sobre a qual já tratei algumas vezes.
O primeiro caso: em 1978, Israel invadiu o sul do Líbano para combater guerrilheiros da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) que usavam o território para atacar comunidades da região norte de Israel. Durante 22 anos, as forças israelenses ocuparam 1.200 Km2 do território libanês no que chamaram de "zona de segurança". Em maio de 2000, após grande clamor interno em Israel exigindo a retirada unilateral das tropas - por conta dos mais de mil soldados mortos em confrontos com o Hezbolah, milícia xiita criada para combater a presença israelense -, Jerusalém decide, finalmente, deixar a região.
Seis anos mais tarde, o Hezbolah ultrapassa a fronteira norte de Israel, sequestra dois militares e mata mais oito. O então primeiro-ministro, Ehud Olmert, decide contra-atacar. Entre 12 de julho e 14 de agosto, ocorre a Segunda Guerra do Líbano. O conflito resulta na morte de 1.200 libaneses e 120 israelenses. A milícia xiita surpreende pelo armamento apresentado e lança cerca de quatro mil mísseis contra o território israelense. Há uma grande condenação internacional de Israel, e o confronto termina após a aprovação da resolução 1.701 pelas Nações Unidas. A ONU envia 13 mil soldados de diversos países para patrulhar o sul do Líbano.
Israel declara ter alcançado a vitória. O Hezbolah faz o mesmo. Seja como for, a atuação da milícia faz com que ela se torne um ator importante no jogo político regional. Em maio deste ano, durante as comemorações pelos dez anos da retirada israelense, o xeque Hassan Nasrallah, líder do Hezbolah, declara que "a próxima guerra irá alterar todos os parâmetros do Oriente Médio". Israel acusa a Síria de ter fornecido mísseis Scud para a milícia. Nasrallah afirma possuir hoje dez vezes mais armamentos do que em 2006. Todas essas novidades aconteceram desde que a ONU estacionou suas tropas para impedir a violência mútua. A presença da força internacional, no entanto, tem servido apenas como garantia de que Israel não pode impedir a transferência de armas para o Hezbolah. Por isso, o grupo radical sequer contesta a atuação dos 13 mil soldados das Nações Unidas no território libanês.
Talvez não fosse necessário fazer um paralelo com a situação atual, mas não me custa nada. Israel passou a controlar Gaza e Cisjordânia a partir de 1967, quando emergiu vitorioso da Guerra dos Seis Dias. Durante 38 anos, o país ocupou Gaza - ainda ocupa a Cisjordânia -, inclusive mantendo no território colônias com população judia. Após grande embate político interno em Israel, o então primeiro-ministro Ariel Sharon decide, em 2005, encerrar unilateralmente a presença israelense no território. Os críticos acreditam que a medida permitiria que Gaza se transformasse numa base do grupo terrorista Hamas. Sharon banca a decisão assim mesmo.
Em 2006, o Hamas disputa as eleições legislativas palestinas. O grupo se consolida como maior vencedor do pleito. No ano seguinte, após uma guerra interna, os membros do Hamas expulsam de Gaza os militantes do Fatah, grupo que majoritariamente forma a Autoridade Palestina - instituição criada nos Acordos de Oslo, de 1993, para representar oficialmente os interesses nacionais palestinos. Simultaneamente, o Hamas passa a lançar mísseis de curto alcance contra Israel. A quantidade é estimada em dez mil ao longo de quase quatro anos. Egito e Israel impõem um bloqueio ao território para impedir a entrada de armamento. Entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, israelenses e membros do Hamas travam nova guerra em Gaza por conta do lançamento de mísseis. Cerca de 1.400 palestinos morrem no conflito. Há uma nova condenação internacional à ofensiva de Israel. O Hamas alega ter vencido a guerra. Alguns países, inclusive o Brasil, acreditam que o grupo deve ser incluído na busca por uma solução para o conflito no Oriente Médio.
Agora, há novo clamor internacional contra a ação israelense em alto-mar. Da mesma maneira como ocorreu com o Hezbolah, no sul do Líbano, não tenha a menor dúvida de que, para o Hamas, o estabelecimento de uma força multinacional liderada pela ONU para controlar a entrada de bens e pessoas em Gaza seria uma excelente opção. No final das contas, os soldados estrangeiros não serão capazes de impedir a entrada de armamento no território. Para responder ao clamor popular mundial, a solução envolvendo as Nações Unidas parecerá a mais justa. Israel não poderá mais inspecionar o tráfego de bens e pessoas no território. Não por acaso, Hezbolah e Hamas estão do mesmo lado do atual jogo de poder no Oriente Médio. Melhor ainda do que no final da Segunda Guerra do Líbano, em 2006, o grupo conta atualmente com a Turquia, um importante aliado para representar os interesses da aliança xiita - a nova, emergente e poderosa força da região.