A Turquia anuncia nesta sexta-feira que vai reduzir significativamente seus laços diplomáticos com Israel. Os Estados Unidos, por outro lado, declaram que a operação de abordagem à Frota da Liberdade foi legítima. Fica evidente que o episódio se tornou um polarizador importante no conflito árabe-israelense. Mais do que isso, a semana se encerra com a vitória da aliança xiita na nova guerra travada através da imprensa e da opinião pública.
Vale ressaltar que esta mudança de paradigma foi, provavelmente, a mais rápida em toda a história de enfrentamentos no Oriente Médio. Em menos de sete dias, o foco das expectativas e cobranças mudou completamente. As discussões sobre o programa nuclear iraniano se tornaram apêndices. O bloqueio israelense a Gaza - assunto esquecido há pelo menos três anos - substituiu as pretensões nucleares do Irã como o grande "impedimento à pacificação da região". Por si só, como escrevi anteriormente, a empreitada das embarcações já pode ser considerada um case de sucesso.
Essa grande mudança de paradigma não foi construída apenas graças à tentativa da flotilha de furar o bloqueio. Ela é simplesmente sua expressão midiática mais bem sucedida. Há exatamente uma semana, as nações aliadas de Turquia e Irã conseguiram uma considerável vitória política.
No meio desta confusão, é compreensível que pouca gente se lembre do que dizia o documento final aprovado na conferência de revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). O texto exige a adesão de Israel ao acordo e conclama o país a pôr fim a suas instalações nucleares. A ambiguidade fica por conta de o programa atômico iraniano sequer ter sido formalmente mencionado. O Irã é signatário do TNP, o que, teoricamente, impediria a república islâmica de desenvolver um programa nuclear militar.
Agora, com dois pontos importantes obtidos pela aliança xiita (Turquia, Irã, Síria, Hezbolah e Hamas) em sequência na arena internacional, resta saber como os demais países irão se comportar. Fica claro que o mundo terá de se posicionar. Este é um desafio também para a política externa brasileira, uma vez que o Itamaraty argumenta preferir o diálogo à confrontação. No caso do incidente envolvendo a Frota da Liberdade, Celso Amorim, Lula e Marco Aurélio Garcia condenaram Israel publicamente.
Ao fazer isso, o Brasil se alinha principalmente à Turquia. Resta saber o que isso poderá significar para as relações bilaterais com Israel - com quem o Mercosul possui um acordo de livre comércio - e Estados Unidos - que, apesar de terem condenado a ação num primeiro momento, mostram-se agora favoráveis a uma investigação liderada pelos próprios israelenses.
Se o Brasil subir o tom, certamente irá agradar à aliada Ancara. Mas Washington pode tomar como um segundo golpe recente desferido por Brasília - o acordo mediado por Brasil e Turquia com o Irã pode ser considerado o primeiro ponto de atrito profundo nas relações entre brasileiros e americanos.
Acredito que, após o grande impacto internacional dos acontecimentos desta semana, o Itamaraty vai preferir esperar o desenrolar dos fatos. Se Irã e Turquia optarem por bancar mais discussões nas Nações Unidas, o Brasil vai enfrentar um grande problema de identidade. Ao mesmo tempo em que o país pretende exercer maior protagonismo internacional, não admite romper com o Ocidente. Até porque, o livre trânsito entre atores tão antagônicos é um dos principais argumentos defendidos pela diplomacia brasileira de que Brasília pode exercer um papel mais relevante mundialmente. Se passar a adotar medidas opostas demais a Estados Unidos e seus aliados, correrá o risco de perder esse "passaporte" político.
Um comentário:
É como se o Chipre tivesse se tornado um afiado muro político: ou vc pende para Israel ou pende para a Turquia...
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