Em tempos de Copa do Mundo, o Brasil anunciou à imprensa internacional uma decisão importantíssima de sua política externa: o país não pretende mais atuar como mediador da questão iraniana, a não ser que seja solicitado. A declaração feita pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao jornal britânico Financial Times pegou todo mundo de surpresa. Esta é uma mudança fundamental de um dos mais controversos pilares internacionais brasileiros.
Não foi ocasional a escolha da data para o anúncio: exatamente no dia da partida entre Brasil e Costa do Marfim, quando as atenções estavam todas destinadas ao jogo. O Brasil entrou com entusiasmo nas disputas políticas do Oriente Médio. Optou sair com um tanto de discrição. De forma a evitar mais comentários, Amorim concedeu nova entrevista, pouco depois do abandono da defesa iraniana. O ministro disse ainda acreditar no acordo forjado por brasileiros e turcos para solucionar o impasse sobre o programa nuclear.
Fica claro que, se não abandonou de vez a defesa das pretensões de Mahmoud Ahmadinejad, Brasília busca uma espécie de distanciamento estratégico. E isso faz sentido. Bem ou mal, o Brasil já se expôs bastante por conta deste imbróglio. E, se não alcançou o objetivo internacional de ser um dos principais atores envolvidos, conseguiu mudar o status do país. Hoje, reconhecidamente é um líder regional incontestável. A simbiose com Teerã reforçou essa imagem. Curiosamente, no dia seguinte, a república islâmica proibiu a entrada em seu território de dois inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O desgaste tem sido inevitável. Itamaraty preferiu dar um tempo na relação.
E este tempo tem muito a ver com as eleições presidenciais brasileiras. Afinal, o PT tem feito o possível para amenizar as críticas à Dilma Rousseff. Uma das mais frequentes é sobre seu posicionamento nos tempos da militância. Não tenho dúvidas de que a oposição vai fazer de tudo para atrelar seu passado militante ao rótulo de radicalismo. Embora sejam situações absolutamente distintas, a equipe de marketing de José Serra vai jogar tudo num saco só. O apoio de Lula a Ahmadinejad vai entrar nesse bolo cujo alvo será Dilma.
Como tenho repetido, esta será a primeira disputa eleitoral em que as opções internacionais brasileiras serão um ponto nevrálgico durante a campanha. E isso porque polarizar questões como Irã, Democracia, Cuba e Venezuela atendem bem mais ao PSDB do que ao PT. Afinal, se Lula tem números positivos para apresentar, as questões acima representam simplesmente um debate teórico e com enorme apelo político. Não há dados para comprovar eficácias e competências. Há um grande campo aberto para defender ou atacar este ou aquele lado. E é aí que Serra acredita ser capaz de ganhar uns bons votos. Afinal, como ele não tomou qualquer atitude, vai ficar fácil demais argumentar que a política externa brasileira se aliou a ditadores e radicais, certo?
A decisão brasileira de recuar em relação ao Irã passa por tudo isso. E também por um dado curioso divulgado pelo Pew Research Center. Pesquisa realizada pelo instituto mostra que 65% dos brasileiros apoiam a aplicação de sanções ao Irã. Ou seja, esta talvez seja uma das poucas áreas em que o governo não usufruiria de ampla aprovação. Serra vai explorar a questão o máximo que puder.
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