
No caso do primeiro-ministro turco, as intenções externas são claras, têm sido expostas sem muito disfarce na última semana. Graças ao patrocíncio velado à frota que tentou furar o bloqueio israelense a Gaza - apoio este que passou à política de Estado quando o próprio Erdogan manifestou o desejo de enviar navios da marinha nacional para escoltar futuras embarcações humanitárias -, o Estado turco transformou-se num mártir político da luta palestina com possibilidade e vontade de defender a causa nas altas esferas de negociação a que tem acesso. Esta sinopse dos acontecimentos dos últimos dias esconde um problema interno latente: enquanto surfa na onda da popularidade, Erdogan trava uma desgastante batalha com os militares de seu país.
O exército da Turquia tentou derrubar o governo em 2003. As revelações são recentes e vieram à tona graças a denúncias da imprensa do país. A ação ocorreria porque as forças armadas acreditam que o atual primeiro-ministro e seu partido de orientação islâmica são ameaças concretas ao caráter laico do Estado. Tradicionalmente, os militares se consideram guardiões ferozes dos ideais de Kemal Ataturk, o fundador da Turquia moderna, em 1923, para quem a religião jamais deveria interferir nos rumos do país. Com o apoio à frota e sua tentativa de furar o bloqueio a Gaza, Erdogan anula o apelo das alegações militares junto às massas. Não por acaso, as autoridades políticas em Ancara determinaram o fim da cooperação entre as forças armadas de Turquia e Israel.
"O confronto com Israel aumenta ainda a popularidade interna do governo e enfraquece a legitimidade dos adversários internos, nomeadamente os militares. Não é difícil imaginar o discurso que se prepara. O governo do AKP (partido de Erdogan) enfrenta Israel em nome dos direitos dos palestinos. Os militares ignoram a luta palestina em nome de uma aliança com os israelenses. Também não é difícil perceber quem terá mais apoio popular", escreve o analista João Marques de Almeida, do Instituto Português de Relações Internacionais.
Dá para entender agora esta enorme boa vontade do primeiro-ministro turco com a frota, certo? O medo de sofrer um golpe de Estado é tamanho que ele considera válido, inclusive, pôr a perder 61 anos de boas relações diplomáticas, econômicas e militares da Turquia com Israel.
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