Aos poucos, mais informações relevantes têm sido publicadas sobre a empreitada do comboio que tentou furar o bloqueio a Gaza. Fica cada vez mais claro o objetivo geopolítico da iniciativa. A Turquia se tornou um dos principais atores envolvidos. A participação da elite política e econômica do país no episódio é tema da principal reportagem da edição desta quarta-feira do New York Times.
A classe comerciante religiosa é a maior doadora de recursos para o IHH, grupo à frente da chamada "Frota da Liberdade". Não por acaso, esse mesmo setor da sociedade turca forma a principal base de apoio popular que sustenta o partido do primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. Ou seja, financiar o IHH é uma espécie de troca de favores interna que atende aos interesses de todo mundo. Para o grupo – cujos laços com o Hamas passaram a ser investigados –, representa o ápice de sua existência. Para Erdogan, ajuda a contemplar parte de seus objetivos políticos internacionais.
Nesta quarta-feira também, o Ministério das Relações Exteriores turco declarou que as relações diplomáticas com Israel poderiam ser retomadas se Jerusalém suspendesse o bloqueio a Gaza. Para completar, o Hamas disse que não se interessa em receber a ajuda humanitária enviada pelo comboio enquanto todos os ativistas presos não forem libertados. O que menos importa nisso tudo parece ser a carga de alimentos, remédios e combustíveis. Tudo passou a ser usado em nome da guerra de propaganda. Ao mesmo tempo, Israel se encontra numa situação política complicada. Após a operação de tomada dos navios, restam poucas opções diante da grande pressão internacional: se mantiver o bloqueio, continuará a sofrer condenação global. Se suspendê-lo – o que, particularmente, não acredito que irá ocorrer –, terá confirmado a eficácia do comboio, abrindo o precedente para novas ações do gênero.
Um novo dilema se apresenta, diante da possibilidade de que em algum momento fique claro o envolvimento do Estado turco no episódio. Israel responderia diretamente à Turquia? Seria uma resposta militar ou um pedido de retratação? Como agiria o Conselho de Segurança da ONU neste caso? E a Otan, da qual o país faz parte?
Acho mesmo que isso vai acontecer. Mas possivelmente o assunto já não vai causar mais comoção internacional. Seja como for, a Turquia só tem a ganhar. Além de se posicionar como um importante ator regional, a atuação do país agrada à opinião pública muçulmana, uma vez que o patrocínio à iniciativa é visto quase consensualmente como medida corajosa para interromper algo que, num estágio quase psicológico, é avaliado como uma injustiça contra os muçulmanos em geral. Ou seja, a liderança política da Turquia no Oriente Médio passaria a ser legitimada pelas próprias populações dos demais países da região. Mesmo que seus governos não tenham a mesma opinião, seria difícil sufocar tamanho clamor popular. Sem a menor dúvida, bancar a Frota da Liberdade – cujo navio Mavi Marmara foi comprado por 1,8 milhão de dólares de uma companhia pertencente ao governo municipal de Istambul – foi um golpe de mestre.
A classe comerciante religiosa é a maior doadora de recursos para o IHH, grupo à frente da chamada "Frota da Liberdade". Não por acaso, esse mesmo setor da sociedade turca forma a principal base de apoio popular que sustenta o partido do primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. Ou seja, financiar o IHH é uma espécie de troca de favores interna que atende aos interesses de todo mundo. Para o grupo – cujos laços com o Hamas passaram a ser investigados –, representa o ápice de sua existência. Para Erdogan, ajuda a contemplar parte de seus objetivos políticos internacionais.
Nesta quarta-feira também, o Ministério das Relações Exteriores turco declarou que as relações diplomáticas com Israel poderiam ser retomadas se Jerusalém suspendesse o bloqueio a Gaza. Para completar, o Hamas disse que não se interessa em receber a ajuda humanitária enviada pelo comboio enquanto todos os ativistas presos não forem libertados. O que menos importa nisso tudo parece ser a carga de alimentos, remédios e combustíveis. Tudo passou a ser usado em nome da guerra de propaganda. Ao mesmo tempo, Israel se encontra numa situação política complicada. Após a operação de tomada dos navios, restam poucas opções diante da grande pressão internacional: se mantiver o bloqueio, continuará a sofrer condenação global. Se suspendê-lo – o que, particularmente, não acredito que irá ocorrer –, terá confirmado a eficácia do comboio, abrindo o precedente para novas ações do gênero.
Um novo dilema se apresenta, diante da possibilidade de que em algum momento fique claro o envolvimento do Estado turco no episódio. Israel responderia diretamente à Turquia? Seria uma resposta militar ou um pedido de retratação? Como agiria o Conselho de Segurança da ONU neste caso? E a Otan, da qual o país faz parte?
Acho mesmo que isso vai acontecer. Mas possivelmente o assunto já não vai causar mais comoção internacional. Seja como for, a Turquia só tem a ganhar. Além de se posicionar como um importante ator regional, a atuação do país agrada à opinião pública muçulmana, uma vez que o patrocínio à iniciativa é visto quase consensualmente como medida corajosa para interromper algo que, num estágio quase psicológico, é avaliado como uma injustiça contra os muçulmanos em geral. Ou seja, a liderança política da Turquia no Oriente Médio passaria a ser legitimada pelas próprias populações dos demais países da região. Mesmo que seus governos não tenham a mesma opinião, seria difícil sufocar tamanho clamor popular. Sem a menor dúvida, bancar a Frota da Liberdade – cujo navio Mavi Marmara foi comprado por 1,8 milhão de dólares de uma companhia pertencente ao governo municipal de Istambul – foi um golpe de mestre.
6 comentários:
Henry, análise irretocável, como sempre. Parabéns.
Por mais que os líderes adorem os holofotes internacionais é para seu público interno (seu eleitorado e grupos de apoio político) que eles devem prestar contas. As ações externas sempre acabam tendo uma causa ou motivação interna para acontecerem.
Fico feliz que tenha gostado, Rodrigo. As análises publicadas pela grande imprensa têm me parecido pouco empenhadas em esclarecer objetivos geopolíticos desta empreitada. É claro que os fatores internos são muito importantes, ainda mais num país repleto de complexidades como a Turquia. Mais uma vez, obrigado pelas palavras de incentivo.
Grande abraço,
Henry
Henry, você conhece quantos jornais que se importam com "geopolítica"? A média da mídia por acaso é mais isenta do que o Diário Oficial da Turquia? Ou de Israel? Ou o blog do Hamas? A mídia tem seus interesses, só não são interesses estatais. A mídia não é anti-semita, nem islamófoba, ela é simplesmente "anti-complexidade". Um blog detalhado, equilibrado, coerente que nem o seu, é de qualidade muito maior--embora não seja isento, porque neutro, nem Suiça, nem sabonete--mas vejamos a quantidade: é um diário virtual que se dedica a falar de um tema geral, política global. Para produzir em escala maciça e abranger todos os assuntos desfrutáveis pelo cidadão, a mídia precisa ser industrial, superficial, direta, e com o maniqueísmo do filme "Rocky IV". Israel é X, Turquia/palestinos/other é "Y". Mais complexo do que isso, meu velho, o homem uni-dimensional não agüenta...
Bruno, seus comentários são sempre muito originais e enriquecedores. Entre em contato, ok? É sempre bom saber notícias suas. Você tem meu email, certo?
Na verdade, Henry, não tenho seu e-mail. Aliás, você fará aniversário, certo? Terça-feira, teremos Israelidade, e você será o convidado especial!
Qual o seu email, Bruno? Mande pra mim no cartaecronica@gmail.com
Grande abraço
Postar um comentário