Finalmente, há mudanças “on the ground” no conflito entre israelenses e palestinos. O termo em língua inglesa é usado com frequência para se referir ao concreto, ao que realmente acontece no terreno. Pois é. Este é um daqueles momentos-chave na geopolítica regional. Neste sábado, o governo interino egípcio decidiu abrir a fronteira do país com Gaza. Esta é uma simples formalidade, uma vez que, desde o episódio da frota turca que tentou furar o bloqueio ao território no meio do ano passado, a passagem de Rafah já estava aberta. Em 2010, mais de 130 mil palestinos atravessaram para o lado egípcio. Neste ano, somente desde o início das manifestações populares no país, cerca de 30 mil pessoas entraram no Egito a partir de Gaza.
A institucionalização da abertura da fronteira é importante porque ela tem caráter político bastante simbólico. O governo de transição tem se mostrado uma grande incógnita e isso inclui também suas opções internacionais. Já acenou com a possibilidade de restabelecer laços com o Irã, mas também garantiu ao governo de Israel que não romperia o acordo de paz assinado em 1979. Está muito claro, no entanto, que a cúpula temporária do país se dá conta do poder que detém: o Egito é hoje a esperança ocidental de mudança no Oriente Médio. Se logo no início da Primavera Árabe as potências ocidentais se calaram devido à aliança histórica que mantinham com o presidente deposto Hosni Mubarak, o Egito está presente hoje em todos os discursos que mencionam o fenômeno político. EUA e União Europeia anunciaram grandes pacotes de ajuda econômica porque esperam transformar o país num exemplo de sucesso de democracia, liberdade de imprensa, estabilidade e empreendedorismo.
A abertura da passagem de Rafah causa certo temor ao Ocidente não pelo fato em si, mas pelo o que ele pode representar. É muito claro que a medida foi adotada como agrado às demandas da Irmandade Muçulmana – grupo que marcava a oposição a Mubarak e que está na origem do Hamas. O governo transitório egípcio prefere dar este passo e não repetir opções adotadas pelo regime Mubarak (que até final de maio do ano passado mantinha estrito controle sobre a fronteira com Gaza, de forma a satisfazer as exigências ocidentais e de Israel) porque sabe que é mais importante não comprometer a própria reputação ou se opor claramente aos anseios dos cidadãos comuns (certamente solidários aos palestinos). E aí é preciso entender os eventos que em breve devem marcar a história do Oriente Médio.
O mês de setembro de 2011 está repleto de acontecimentos importantes. Menciono com certa frequência a intenção da Autoridade Palestina (AP) de declarar a criação unilateral do Estado palestino na Assembleia Geral da ONU justamente em setembro. Este é o tipo de evento que certamente mudará a realidade da região. Mas não é o único. Neste mês também estão planejadas eleições parlamentares no Egito. Espera-se que o governo interino dê sequência ao processo transitório. Ninguém sabe quais serão os resultados, mas certamente o Egito será um país diferente, com novos parlamentares, partidos políticos e governo. O mundo inteiro estará ansioso para entender o novo perfil político do país porque toda a dinâmica regional estará em jogo: o acordo de paz com Israel, os interesses iranianos, o papel da Irmandade Muçulmana. E tudo isso ao mesmo tempo em que, possivelmente, o Estado palestino estiver em formação. Todos os movimentos políticos ocidentais de hoje levam isso em consideração.
Além disso, é preciso dizer que, na prática, a abertura formal de Rafah provoca um resultado curioso. Com a passagem entre o país e o Egito institucionalmente liberada, Cairo decreta o fim do bloqueio israelense ao território. Se aos israelenses a ausência de controle sobre a fronteira egípcio-palestina pode causar muito desconforto, a medida também alivia em algum grau a pressão internacional sobre o Estado judeu. No entanto, é interessante perceber que, apesar disso, grupos militantes palestinos não abrem mão de levar adiante o projeto de chegar a Gaza por via marítima, como no ano passado. Planejada para chegar ao território no final de junho, a versão 2011 da empreitada político-midiática contará com 1.500 pessoas de 100 nacionalidades diferentes a bordo de 15 embarcações.
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