A captura de Ratko Mladic é o tipo de evento que acaba sendo bom para todo mundo. Na certeza da interdependência dos atores internacionais – aliados ou não –, a ação Sérvia que culminou na prisão do responsável diretamente pela morte de oito mil muçulmanos serve a muitos interessados: nada melhor à União Europeia, neste momento, que ganhar legitimidade como defensora dos direitos humanos diante dos protagonistas da Primavera Árabe. O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos EUA, país com histórico de participação direta na guerra dos Balcãs.
E, claro, a Sérvia finalmente optou pelo pragmatismo. Por mais que nacionalistas ainda cultivassem certo apreço por Mladic, o governo de Belgrado tem partido em busca de ascensão política e econômica. Isso inclui, por exemplo, a tentativa de estabelecimento de algum grau de relação com Kosovo. A prisão desta quinta-feira foi manchete em todo o mundo. E as consequências só são positivas à Sérvia. Matéria do britânico Financial Times informa que o Dinar sérvio teve valorização de 1% em relação ao Euro; as bolsas de valores subiram imediatamente 1,2%. E esses foram apenas os primeiros desdobramentos da ação.
Há um silêncio constrangedor sobre o entorno desta prisão. Mladic não estava propriamente desaparecido como muita gente pode entender a partir da leitura das matérias jornalísticas. As autoridades sérvias decidiram dar fim à encenação rapidamente em nome do pragmatismo. Porque acima de um eventual orgulho nacional ferido está a ambição do país de fazer parte da União Europeia. E o jogo político também tem suas muitas encenações. A mais recente delas, no caso específico das demandas sérvias, aconteceu nesta semana mesmo. Um relatório “vazado” pelo promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional de Haia, Serge Brammetz, dizia que a Sérvia se recusava a cooperar na busca pelo homem mais procurado dos Balcãs. Se divulgado oficialmente, o texto seria interpretado como sinal de que o país não compartilhava dos valores da União Europeia. Um abraço para as pretensões locais.
Não é por acaso que Mladic foi “encontrado” dias após este vazamento. Belgrado colocou suas opções na balança e escolheu o único caminho possível. A simbiose desta situação é curiosa. A Sérvia precisa da UE tanto quanto o bloco precisa de uma injeção de protagonismo e relevância. Tampouco foi ocasional o anúncio da captura durante a realização do G8. O mundo dos membros do G8 e da UE é exatamente o mesmo do Tribunal Penal Internacional. Todas essas instituições e atores representam a opção pela inflexibilidade diante de massacres e arbitrariedades. Deixar isso claro justamente durante a Primavera Árabe é uma maneira muito assertiva de se colocar ao lado dos valores defendidos pelas manifestações populares. Esta simbiose, portanto, inclui este vértice recente e poderoso.
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