Após os incidentes violentos na fronteira norte de Israel neste domingo, há uma série de teorias que envolvem, principalmente, o atual momento regional. Quando centenas de palestinos tentaram entrar em território israelense a partir de Síria e Líbano, militares do Estado judeu reagiram. A confusão ainda é muito grande e há versões diferentes sobre o que teria ocorrido a partir de então. Segundo o governo de Jerusalém, os soldados reagiram à invasão. Ainda de acordo com este relato, o exército libanês também teria tentado impedir que militantes palestinos atravessassem a fronteira para o lado israelense. Claro que, agora, Beirute nega tudo isso e garante que somente as Forças de Defesa de Israel teriam atirado.
Foto: fronteira entre Israel e Síria
Toda esta manifestação aconteceu na data oficial que marca a criação do Estado de Israel, em 1948. O que os israelenses chamam de Dia da Independência os palestinos qualificam como o Dia da Catástrofe (Nakba, em árabe). Todos os anos há manifestações anti-Israel não apenas em Gaza e Cisjordânia, mas também em diversos países árabes. Neste ano, havia especial expectativa quanto à ocasião devido às manifestações pró-democracia que ainda acontecem na região.
Sob este ângulo, é inclusive interessante notar que, ao contrário do que se tornou lugar-comum quando o assunto é a situação política no Oriente Médio, o conflito árabe-israelense – e o conflito entre israelenses e palestinos, em particular – não ocupa lugar de destaque nas manifestações que ficaram conhecidas como Primavera Árabe.
No tabuleiro político regional, os episódios de violência deste domingo envolveram quatro atores importantes e com vasto histórico de conflitos: israelenses, libaneses, sírios e palestinos. No caso de Síria e Líbano, é fundamental deixar claro que, quando se trata da disputa fronteiriça com Israel, é muito remota a possibilidade de movimentações não apenas espontâneas mas também desconhecidas do governo de Damasco, no caso sírio, e do Hezbollah, no Líbano. Não porque ambos nutram qualquer expectativa de normalização das relações com Jerusalém, mas porque percebem como estratégicas atitudes de atrito. Em relação à Síria, inclusive, vale dizer que, apesar de reivindicar as Colinas de Golã (onde os protestos deste domingo aconteceram e por onde palestinos tentaram atravessar para o interior do Estado de Israel) e se manter em beligerância com o país desde sua fundação, curiosamente esta é a fronteira que menos causa problemas às autoridades israelenses.
Portanto, pode até ter sido este o caso, mas acho pouco provável que a tentativa de cruzar a fronteira com Israel a partir de seus territórios tenha sido totalmente surpreendente para sírios e libaneses. Existe a possibilidade real de o governo de Damasco ter criado esta situação não apenas para desviar o foco dos protestos internos que tomam seu território há dois meses, mas também enviar um recado claro ao Ocidente: Assad está disposto a tudo para se manter no poder, inclusive criar uma guerra com Israel.
Esta teoria é interessante na medida em que assombra americanos, europeus e seus aliados por algumas razões: primeiro porque remete à incapacidade de sustentar dois fronts simultâneos no combate às ditaduras árabes (Khadafi permanece no cargo de presidente líbio, mesmo depois da ofensiva lançada pela Otan); segundo porque poderia insuflar toda a região e precipitar um embate militar com Irã (que certamente usaria seus aliados Hamas e Hezbollah na fronteira com Israel); terceiro porque uma nova guerra no Oriente Médio poderia minar a percepção positiva dos americanos quanto à política externa de Barack Obama.
Por mais surpreendente que seja, os eventos deste domingo servem aos palestinos de maneira limitadíssima. Se por um lado unem Hamas e Fatah (Autoridade Palestina) durante o processo de reconciliação entre os grupos e criação de um governo de união nacional, por outro podem colocar as ambições políticas deste mesmo governo em perigo. Como se sabe, a intenção da Autoridade Palestina (AP) é declarar unilateralmente o Estado palestino em setembro deste ano. Quando militantes palestinos invadem Israel a partir de fronteiras que sequer serão parte de qualquer acordo final entre israelenses e a AP eles dão argumentos somente ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu – que, por sinal, vai estar em Washington nesta semana e fará bom uso dos acontecimentos durante encontro com o presidente americano.
O que aconteceu neste domingo me lembra o imbróglio em torno do navio Mavi Marmara, em maio do ano passado. Naquela ocasião, a embarcação turca que tentou furar o bloqueio a Gaza se transformou numa vitória política para o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, para o Hamas e também colocou em foco o controle exercido por Israel sobre o território. Os eventos similares ocorridos no norte de Israel podem ter sido planejados com o objetivo de devolver ao conflito israelense-palestino o protagonismo político perdido nesses últimos meses. Só não se sabe, até agora, quem está por trás disso.
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