Membros da al-Qaeda argumentam que Osama Bin Laden não foi morto pelas forças especiais americanas. Segundo comunicado, um dublê do terrorista foi assassinado. Sinceramente, alguém imaginava que os correligionários de Bin Laden teriam atitude diferente? Claro que jamais irão admitir ter perdido o líder, fundador e inspirador do movimento. Os EUA, por sua vez, dizem ter cruzado dados e chegado à conclusão de que se trata mesmo do terrorista através de testes de DNA. Ponto final para a al-Qaeda? Imagina. Basta dizer que o morto era um de seus irmãos gêmeos perdidos.
A situação mostra bem como vai ser a escalada de discursos e práticas a partir de agora. Como muita gente, escrevi que a rede terrorista vive um de seus períodos menos relevantes. Principalmente porque o grupo jamais se preocupou em apresentar soluções práticas à população árabe. Por isso, a história deu prazo de validade curto à retórica de Bin Laden. Se num primeiro momento ele conseguiu preencher com seus atos certo desejo de revanche por parte de parcelas de cidadãos de países islâmicos, jamais obteve sucesso – ou mesmo pretendeu – em dar soluções práticas a demandas legítimas das pessoas comuns: melhores condições de vida, criação de empregos, democracia.
De certa forma, os EUA prestaram um “favor” a Bin Laden e à al-Qaeda. Do ponto de vista de uma vingança que levasse em consideração uma vitória ética ou histórica, digamos, os americanos teriam sido mais eficazes ao expor o terrorista ao ridículo. Esta não é uma possibilidade inviável. Bastaria apenas deixar que os acontecimentos sigam seu fluxo para testemunharmos a queda de boa parte das ditaduras árabes. Seria interessante assistir a um Bin Laden vivo gritando slogans de violência e radicalismo que não teriam qualquer impacto relevante. Mas pensar isso como estratégia política demanda doses cavalares de abstração.
Agora, existe uma pequena chance de, indiretamente, claro, Washington ter dado uma sobrevida ao movimento. Ao negar a morte de seu líder, os membros da al-Qaeda buscam mais uma vez se afirmar como o único contraponto mundial aos EUA. Mesmo que admitissem a perda do fundador, poderiam renovar objetivos e reanimar suas fileiras. Há poucas e incipientes manifestações que já o consideram um mártir do fundamentalismo islâmico.
E por falar em renovação, vale dizer que os radicais não são bobos e certamente farão uma pausa para analisar este novo cenário. E há grande possibilidade de, a partir desta reflexão, constatarem o óbvio: se o discurso original já não arrebata multidões de seguidores – e ontem apresentei os índices ínfimos de apoio popular no países islâmicos à al-Qaeda –, resta apenas uma solução: mudar o discurso. E isso é relativamente simples. O radicalismo da luta contra os infiéis americanos não seduz mais. As populações têm suas próprias prioridades e reivindicam melhorias. Só há um assunto ainda mobiliza o mundo islâmico e árabe, em particular: a situação dos palestinos.
Como escrevi no texto desta terça-feira, a questão palestina jamais foi prioridade à al-Qaeda. Mas isso pode mudar a partir de agora. Isso porque o assunto é uma espécie de “nicho de mercado”, talvez o último que resta aos terroristas órfãos de Bin Laden. Por mais que estejam imersos em suas próprias revoltas, as populações árabes não esqueceram o conflito entre israelenses e palestinos. Se agora estão ocupadas com seus assuntos domésticos, não veriam com maus olhos qualquer um que aceitasse lutar por uma suposta “justiça” realizada em nome dos palestinos. Por isso, não me espantaria que a al-Qaeda mudasse para continuar a existir. E, neste caso, sob a ótica terrorista dos seguidores de Bin Laden, a mudança poderia significar a realização de atentados a alvos israelenses ou judaicos em qualquer parte do mundo.
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