O presidente Barack Obama foi surpreendido pela precipitação dos acontecimentos no Oriente Médio. Na quinta-feira, fará discurso no Departamento de Estado em que vai abordar as relações entre os EUA, o mundo árabe e o islamismo. É a segunda empreitada do líder americano. A primeira foi um belo pronunciamento no Cairo, em 2009, repleto da poderosa retórica que o elegeu no ano anterior. A ideia agora é explicar o posicionamento do país a partir da operação que matou Bin Laden e também à luz das manifestações populares recentes. Não vai ser possível surfar nessas ondas exclusivamente.
O protagonismo do conflito palestino-israelense está retornando com força. E há importantes mudanças em torno deste assunto – demonstradas pelas novas estratégias palestinas sobre as quais comentei no texto desta terça. E o otimismo americano para lidar com as negociações de paz está em baixa. Não apenas pelo pedido de demissão do enviado George Mitchell, mas principalmente porque a própria posição de liderança de Washington corre riscos. Sérios riscos.
Enquanto Obama pode até acreditar que a Primavera Árabe representa o ímpeto que lhe faltava para forjar um acordo entre palestinos e israelenses, o pensamento de importantes lideranças regionais é bastante distinto. Há atores interessados em variações distintas sobre este mesmo tema. Irã, Turquia, Hamas e Hezbollah, por exemplo, pretendem capitalizar a nova realidade política sob outro ângulo. Aproveitam este momento para deixar claro que a Primavera Árabe marca também a independência regional em relação à chancela americana. E os palestinos são, como sempre, muito úteis a todos neste propósito.
O raciocínio vencedor desses atores – e digo vencedor porque ele passou a ser a diretriz dos acontecimentos práticos do momento – é pragmático: se os EUA não têm a postura desejada na mediação do processo de paz, então esta é a hora de contestar a própria posição dos EUA como principais mediadores. E, ainda mais além, se as negociações não têm avançado, basta abandoná-las. A Primavera Árabe passou a fenômeno político que legitima ações de indivíduos em conjunto na luta contra os regimes. Mesmo que Israel não seja o regime a governar formalmente os palestinos, é o próprio Estado de Israel a instituição que os palestinos pretendem tornar percebida internacionalmente como a responsável pela opressão. E, num exercício de lógica simplória – é esta que está dando as cartas atualmente –, para angariar simpatia e legitimidade internacionais, basta contestar o governo de Israel da mesma maneira como as populações dos demais países árabes têm feito domesticamente.
A situação americana é ainda mais delicada porque geopoliticamente este é um ótimo momento para relativizar a importância internacional da Casa Branca. É claro que os EUA ainda são a maior potência mundial, mas, ao contrário de outros tempos, há a clara ascensão política e econômica de outros Estados. Há crescente pulverização do poder. Neste ambiente onde novos atores se empenham em criar articulações para modificar o sistema internacional, diminuir a importância de Washington neste cenário específico não será visto, necessariamente, como um projeto unilateral palestino, mas como outro exemplo desta tendência.
Por isso, antes mesmo de Barack Obama chamar as partes a novas rodadas de negociação, os EUA precisam evitar perder o próprio protagonismo na mediação do conflito palestino-israelense.
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