Programas especiais em canais de televisão, suplementos em jornais, toda a sorte de comentários. A morte de Bin Laden segue o padrão de repercussão construído por ele desde o ápice dos atentados de 2001, nos EUA. A questão é que, como sempre, entre muitas análises pertinentes, surgem também grandes bobagens, alguns deslizes e pequenos equívocos. O que chama mais atenção é a confusão que se faz entre a luta de Bin Laden contra EUA, a agenda original da al-Qaeda e o conflito entre israelenses e palestinos.
Em meio ao fluxo interminável de informações, é preciso estar atento. Relacionar assuntos tão diversos pode e deve ser feito. No entanto, não é legítimo simplesmente inventar fatos para concluir o que quer que seja. Muita gente tem agido assim. Por exemplo, dizer que Bin Laden era o grande defensor da causa palestina é uma asneira. Primeiro, porque é preciso deixar claro de qual causa palestina estamos tratando. A do Hamas, que pretende destruir Israel para construir um Estado islâmico nos moldes do Irã? Ou o projeto viável da Autoridade Palestina, que assinou os Acordos de Oslo, adotou postura pragmática, renunciou formalmente a métodos terroristas e faz articulações políticas para a criação de um Estado palestino em Gaza e Cisjordânia?
Em nenhum dos casos, por mais díspares que sejam as posturas teóricas de Fatah e Hamas, a ideologia da al-Qaeda e Bin Laden se aplica. Por algumas razões: o conflito entre israelenses e palestinos não era originalmente a prioridade de Bin Laden; e, igualmente importante, o terrorista sempre teve como alvos prioritários instituições americanas – não israelenses ou judaicas.
Por mais que nunca tenha sido um líder religioso muçulmano e não tivesse autoridade para tal, em 1998, Bin Laden se sentiu no direito de declarar uma Fatwa - pronunciamento legal emitido por um especialista em lei islâmica – conclamando muçulmanos de todo o mundo a matar cidadãos americanos e seus aliados (civis ou militares). Como recorda Azeem Ibrahim, em artigo publicado no Huffington Post, o mulá Omar, líder espiritual do Talibã, contestou tal determinação justamente por Bin Laden não ser um clérigo.
Seja como for, cidadãos americanos e seus aliados – sem especificar quais aliados – eram os alvos originais da grande guerra terrorista imaginada por Bin Laden. Certamente, ele não era admirador de Israel, mas sua luta era prioritariamente contra os EUA e suas opções internacionais. E sua prática prova este argumento: antes mesmo dos atentados de 2001, Osama Bin Laden foi responsável por três grandes operações antiamericanas: os atentados às embaixadas no Quênia e na Tanzânia, em 1998, e, posteriormente, o ataque ao porta-aviões americano USS Cole, em 2000, no Porto de Áden, no Iêmen.
Depois de 11 de Setembro, as justificativas do próprio Bin Laden para a operação foram diversas: a corrupção do governo saudita apoiados pelos americanos e até a expulsão dos muçulmanos da Espanha, no século 17. O apoio dos EUA a Israel foi incluído muito mais como forma de propaganda, posteriormente, uma vez que a questão palestina tem grande apelo entre a população árabe e islâmica. Mas sempre é importante deixar claro que a criação de um Estado palestino nunca foi um projeto de Bin Laden e, muito menos, da al-Qaeda.
Em parte, os devaneios repletos de ambições quixotescas da rede terrorista explicam a baixa popularidade recente de Bin Laden mesmo entre a população muçulmana. Pesquisa do Pew Research Center mostra dados importantes: o apoio ao terrorista é de apenas 34% nos territórios palestinos; 26% na Indonésia (o país com maior população muçulmana no mundo); 22% no Egito; 3% na Turquia; e somente 1% no Líbano. Enquanto manifestantes arriscam suas vidas em busca de objetivos domésticos, Bin Laden sonhava com o fim de todos os Estados árabes e muçulmanos atuais e sua substituição por um califado que se estenderia entre o sul da Espanha e as Filipinas!
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