É possível que a fixação internacional pelo conflito entre Israel e os palestinos retorne com força; primeiro, por conta das tentativas crônicas de encontrar paralelos com as reivindicações da al-Qaeda. Como escrevi ontem, é possível mesmo que a própria rede terrorista passe a ser mais eloquente em relação ao assunto, num esforço de renovação após a morte de seu líder e retomada da popularidade perdida. Mais importante ainda é a reconciliação assinada entre os grupos palestinos Fatah e Hamas, que, na teoria, dariam fim às rivalidades bastante acentuadas nos últimos quatro anos.
Antes mesmo de entrar em vigor, as discussões e acusações mútuas deixam claro como será difícil superar os acontecimentos recentes: cerca de 400 membros ou simpatizantes do Hamas permanecem em prisões controladas pela Autoridade Palestina; por sua vez, o Fatah reclama que autoridades do movimento islâmico teriam impedido alguns dos membros do alto-escalão do grupo de deixar Gaza.
Certamente, essas pequenas divergências podem se transformar em problemas maiores, uma vez que elas dão ao menos um sinal importante sobre o distanciamento prático e retórico entre eles. O Fatah, majoritário na burocracia da AP, tem se transformado num ator moderado, disposto mesmo a negociar com Israel e atender às demandas das potências internacionais por pragmatismo na busca pela resolução do conflito. Nos últimos quatro anos, o Fatah conseguiu, na Cisjordânia, que suas próprias forças de seguranças prendessem terroristas e impedissem a realização de atentados contra israelenses. O grupo entendeu que este seria um passo importante que o credenciaria a fazer exigências durante as negociações.
Agora, por mais que tenham se unido novamente, as facções palestinas ainda discordam profundamente em assuntos fundamentais. Por exemplo, o Hamas continua a se recusar a reconhecer a própria existência do Estado de Israel. Por isso, há duas formas de visão sobre o governo de união nacional. A mais óbvia é acreditar que a inclusão do Hamas representa uma ameaça a qualquer tentativa de negociação. Esta é a posição do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
Mas há também uma leitura menos estreita. Penso que esta pode ser uma possibilidade de engajar o Hamas no processo. É claro que não será de um dia para o outro que o grupo irá abandonar seu discurso terrorista. Mas é preciso aproveitar este momento para tentar. Até porque, é preciso deixar claro, o Hamas decidiu correr em busca do diálogo com o Fatah porque está enfraquecido politicamente.
A Síria, país que abriga vários membros do Hamas, está em baixa. Assad corre risco de perder o poder e, claro, toda esta mudança interna pode respingar nos líderes palestinos que vivem por lá. Mais ainda, a população de Gaza tem sido afetada positivamente pelas manifestações democráticas no mundo árabe. E, claro, elas têm amigos e parentes que vivem na Cisjordânia. Ninguém comenta muito isso, mas as condições de vida no território controlado pelo Fatah têm melhorado consideravelmente. Basta dizer que o crescimento econômico está na casa dos 9%.
Apesar de Netanyahu acreditar que a inclusão do Hamas é uma ameaça ao processo de paz, esta não é a posição unânime do governo de Israel. Documentos sigilosos publicados pelo jornal israelense Ha’aretz mostram que o Ministério das Relações Exteriores admite que esta pode ser uma possibilidade de “mudança real no contexto palestino”. Possivelmente, pelo mesmo motivo que eu penso. Até porque, vale lembrar que o processo de paz andou muito pouco nesses quatro anos de “divórcio” entre Hamas e Fatah. Se houve tranquilidade na Cisjordânia controlada pela Autoridade Palestina, Israel e Hamas se enfrentaram em Gaza. Incluir o movimento islâmico no corpo político palestino pode ser uma forma de forçar não apenas pragmatismo, mas também responsabilidade institucional por seus atos.
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