quinta-feira, 19 de maio de 2011

Obama: nova abordagem para o Oriente Médio

Havia muita expectativa quanto ao “Discurso sobre o Oriente Médio” do presidente Obama marcado para hoje. E confesso que, após o pronunciamento, admito ter ficado muito impressionado pela capacidade do líder americano de abordar questões importantes e difíceis com tanta franqueza. Já se sabia que um dos temas centrais seria a Primavera Árabe. No início do processo, a Casa Branca foi criticada pelo silêncio. Afinal, o então presidente egípcio Hosni Mubarak – um dos mais importantes aliados dos EUA na região – era o alvo da ira popular e de um movimento bem sucedido que encontrou ampla adesão dos cidadãos comuns. Hoje, em Washington, Obama encarou todos os muitos pontos de atrito entre seu governo e os países do Oriente Médio. E fez isso com a clareza e a assertividade que o momento exige. Afinal, como tenho escrito, o protagonismo americano está sendo questionado.

O presidente dos EUA sabe disso e decidiu fazer uso de toda sua capacidade de retórica. Conseguiu lembrar seus melhores comícios durante a campanha. Ainda não se sabe como será a reação das populações dos países árabes. No entanto, se havia expectativa e dúvida, a Casa Branca dissipou-as uma a uma. O discurso foi uma verdadeira aula sobre o posicionamento americano neste governo. E todo senso de urgência que o momento exige foi exposto.

Washington reforçou um dos principais pontos de sua política externa: o incentivo e o fomento do empreendedorismo. Esta é uma área de interesse pessoal do presidente e um ponto que, inclusive, marca sua biografia. Obama conseguiu hoje estender este projeto às manifestações populares e, com isso, pretende sensibilizar os jovens responsáveis pelos levantes atuais. O raciocínio é correto, afinal de contas a maior parte dos cidadãos dos países da região tem menos de 30 anos de idade.

Há uma mudança significativa na forma de abordagem pelos EUA. Se até o início deste ano havia uma aliança histórica entre o país e líderes contestados e autoritários, o presidente americano fez questão de deixar claro que viu com bons olhos os movimentos domésticos pró-democracia. Tanto que todo o pronunciamento de hoje é preenchido pela tentativa de criação de um laço entre os EUA e as populações dos países árabes, não seus governantes. Isto não apenas transparece uma leitura correta dos acontecimentos que envolvem a Primavera Árabe como um todo, mas também a certeza de que, a partir de agora, a espontaneidade popular não pode mais ser ignorada – nem domesticamente nos países árabes, nem nas relações que esses países irão forjar com os EUA.

Quando Washington reconhece formalmente esta transformação, na prática pede também um voto de confiança aos jovens árabes. Por isso Obama deu um passo atrás (como escrevi ontem, esta medida era muito importante). Assim – e esta é uma característica importante presente no discurso de hoje –, os EUA se colocam como parceiros disponíveis a participar do processo em curso. Não como partidários deste ou daquele lado, mas, principalmente, como fomentadores de inovação, empreendedorismo e incentivadores das práticas de livre mercado.

Os primeiros países que levaram adiante essas modificações internas, Egito e Tunísia, são vistos como os sócios primordiais desta nova abordagem. Medidas práticas como o perdão da dívida de 1 bilhão de dólares egípcia e o empréstimo do mesmo valor são alguns passos que encaminham uma mensagem importante a todos os países da região: se quiserem, eles podem contar com os EUA como aliados nos esforços de criação de ambientes capazes de gerar emprego e renda a suas populações. Egito e Tunísia passam a ser uma espécie de versão beta regional.

Finalmente, os EUA encerraram em grande estilo a reversão do constrangimento causado inicialmente. E para causar ainda melhor impressão, o presidente americano não se poupou de autocríticas (como quando textualmente mencionou o equívoco representado pela guerra do Iraque: “ aprendemos com nossa experiência no Iraque como é custoso e difícil impor a mudança de regime através da força”) e, menos ainda, poupou críticas a aliados. Sobrou para os estratégicos Iêmen e Bahrein – o governo americano foi apontado como incoerente por não se manifestar favoravelmente aos protestos populares nesses países aliados de Washington – e também para Israel – o recado ao primeiro-ministro Netanyahu foi claro quando Obama criticou a manutenção dos assentamentos judaicos e também a ilusão representada pela estagnação das negociações de paz.

Houve importantes menções ao conflito palestino-israelense. Mas prefiro tratar delas amanhã, quando Obama se encontrará com Benjamin Netanyahu em Washington.

Nenhum comentário: