Comentei ontem sobre a similaridade entre a invasão de militantes palestinos ao território israelense no domingo e a tentativa de furar o bloqueio a Gaza realizada no ano passado pelo navio turco Mavi Marmara. Ambos os eventos convergem para um ponto: a criação de fatos jornalísticos impactantes que isolam Israel. Do ponto de vista político e imaginário, as duas ações foram muito bem sucedidas.
E por uma razão muito simples: o enfrentamento entre civis supostamente desarmados – não era o caso do navio turco, mas foi esta a percepção midiática e popular sobre o ocorrido – e um dos exércitos mais poderosos do mundo é uma narrativa extremamente atraente. Ela remonta a tantas outras histórias de luta entre fracos e fortes, armados e desarmados, forças institucionais e marginalizados. É o tipo de roteiro que comove porque a simples desigualdade de forças já basta para, por si só, tocar num dos aspectos mais sensíveis a todos nós: a noção de injustiça.
E invocar injustiça é ponto fundamental para a construção de qualquer discurso poderoso. E por uma razão óbvia: como todos nós somos vítimas de injustiças (em maior ou menor grau, não importa), é natural que elas nos causem repulsa. A injustiça ultrapassa a discussão política. Ela sensibiliza, comove, choca. Ela supera argumentos práticos, geopolíticos, históricos. A injustiça é humana, emociona, e, por isso, é midiática. A militância palestina – e nisso incluo, claro, os muitos atores políticos interessadíssimos em resgatar a centralidade do conflito entre palestinos e israelenses no Oriente Médio – sabe disso e lançou mão desta poderosa narrativa neste domingo.
A expertise para a realização de operações deste tipo tende ao crescimento. Forjar embates entre palestinos desarmados e o exército israelense vai se tornar lugar-comum a partir de agora. Não importa que centenas de pessoas tenham invadido o território de Israel a partir de Lìbano e Síria. Restam poucas alternativas de vitória política para o governo de Jerusalém. Atentados terroristas realizados contra civis criaram nos anos 1990 a sensação de insegurança em Israel. Isto afetava o cotidiano do país. Mas a repetição de eventos que atingem os sentimentos humanitários mundiais é muito mais eficaz. Eles não apenas isolam Israel politicamente como também contribuem para o próprio questionamento da existência do país.
Uma das principais mensagens dos eventos deste domingo é simples: os manifestantes que invadiram a fronteira norte a partir da Síria deixaram claro que sequer reconhecem a legitimidade da própria fronteira. E aí é bastante curioso notar que, se há ganhos palestinos inquestionáveis a partir de tais ações, há também um grande furo neste estratégia. Como se sabe, o processo de paz está parado e o enviado americano à região, George Mitchell, deixou o cargo pela frustração de não ter conseguido avançar com o diálogo entre as partes. Certamente, este será um dos pontos discutidos no encontro desta semana entre o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o presidente dos EUA, Barack Obama. Netanyahu já tem a resposta para tudo isso na ponta da língua: como negociar se os palestinos sequer reconhecem o direito do Estado de Israel existir?
Mas, neste mundo onde percepção vale muito mais que argumentação, o placar é favorável aos palestinos. A realização de eventos como o de domingo vai seguir em frente em parte também porque a invasão popular palestina ao território israelense é percebida como uma espécie de extensão da Primavera Árabe. Como o olhar sobre as manifestações pró-democracia é bastante positivo internacionalmente, os palestinos – apoiados por muitos atores igualmente interessados na deslegitimação de Israel – estão, digamos, seguindo tendência, criando sua própria adaptação dos movimentos populares em curso.
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