terça-feira, 27 de julho de 2010

Documentos reforçam o que todo mundo já sabia sobre guerra no Afeganistão: é impossível vencer

O vazamento das informações confidenciais foi um ato político. Como já aconteceu antes e como os veículos de imprensa têm lembrado, a publicação de material confidencial foi responsável outras tantas vezes por mudar os rumos de conflitos anteriores. E esta pode sim ser uma consequência do imbróglio atual. No entanto, acredito que o conteúdo dos documentos divulgados pelo Wikileaks não seja surpreendente. Alguém duvidava da atuação ambígua do Paquistão? Ou da crueldade da guerra travada no Afeganistão? Ou mesmo da capacidade militar do Talibã?

Preciso deixar claro, no entanto, que considero muito interessante a riqueza de detalhes fornecidos nesses dias. Não se pode simplesmente ignorar os relatos, pelo contrário. Acho fundamental enxergar o que de fato tem valor real nesses quase 92 mil documentos. O fundador do think-tank americano Stratfor, George Friedman, tem uma visão clara sobre este aspecto.

"O Talibã é uma força mais sofisticada do que se acreditava. Um exemplo disso é a alegação de que os radicais têm usado sistemas de defesa aérea pessoais portáteis (MANPADS, sigla em inglês) contra aeronaves americanas. Isso é importante de alguma maneiras: primeiro, indica que o grupo dispõe de tecnologias similares às usadas contra os soviéticos; segundo, levanta o questionamento sobre onde o Talibã tem conseguido artefatos deste tipo - certamente, não são seus membros que fabricam esses MANPADS", escreve.

Sobre o papel ambíguo exercido pelo Paquistão - mencionado no texto de ontem - é possível buscar no passado uma explicação. Não se trata de justificar, mas entender a dupla fidelidade do governo de Islamab.

O Paquistão ajudou o Talibã a chegar ao poder no Afeganistão durante os anos 1990. Em 2001, os dirigentes paquistaneses teriam encerrado o apoio formal ao grupo diante da pressão exercida pelos EUA. Como se vê, entretanto, os contatos entre as partes nunca terminaram totalmente. E as razões são muito óbvias: após a saída das tropas da coalizão ocidental do Afeganistão - até o início desta semana agendada para daqui a menos de quatro anos -, quem vai voltar a atuar no país?

Sem o impedimento representado pelos soldados americanos e da Otan, é muito possível que os talibãs voltem a agir como força política e militar relevante. E não há nada o que se possa fazer quanto a isso. Vale sempre lembrar Washington despeja nesses últimos dez anos um caminhão de dinheiro nesta luta e, mesmo assim, não consegue erradicar a presença do grupo radical.

"Levando em consideração que o Paquistão não imagina que o Talibã será derrotado e que (Islamabad) não está interessada num completo caos no Afeganistão, é claro que eles (os paquistaneses) vão manter relações de proximidade e apoio ao Talibã. Considerando que o poder americano é o único trunfo do Paquistão contra a Índia, os paquistaneses não vão tornar pública esta prática (o relacionamento com o grupo radical). Portanto, os EUA acabaram por criar uma situação onde a única política possível para o Paquistão é esta dupla fidelidade. Ela consiste na manifestação pública de oposição ao Talibã, mas também em apoio dissimulado a este mesmo Talibã", diz Friedman.

Este parágrafo resume bem a impossibilidade de vitória da coalizão. Pelo menos da maneira como o ocidente costuma aplicar este termo.

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