domingo, 23 de novembro de 2008

A disputa com o Equador não interessa ao Brasil

O tom das discussões envolvendo as controvérsias entre Brasil e Equador vem sofrendo uma escalada crescente. Tanto que o governo brasileiro teve de tomar a medida clássica que sinaliza insatisfação nas relações internacionais: convocar o embaixador em Quito para consultas em Brasília.

O presidente Rafael Correa adota o discurso morde e assopra, tentando ganhar tempo até decidir se está disposto a arriscar as relações com o Brasil em nome da defesa do que considera direitos do povo equatoriano.

Neste sábado, a nota oficial emitida por Quito demonstra uma mensagem de Correa não apenas em relação ao caso Odebrecht, mas também direcionada à própria maneira do governo brasileiro de conduzir políticas públicas.

"O governo do Equador deplora a decisão adotada pelo governo do Brasil de chamar em consultas seu embaixador e reitera sua permanente disposição para continuar mantendo as relações bilaterais em alto nível de amizade e cooperação. (...) a disputa deve ser resolvida por canais jurídicos estabelecidos pelos dois países de acordo com convênios existentes entre o Equador e a companhia privada envolvida, sem que esta situação afete as relações existentes entre os povos e governos dos dois países".

O texto tenta distanciar as relações entre os dois Estados e a controvérsia com a Odebrecht. Dá a entender que o governo brasileiro não deveria se esforçar e se desgastar para defender uma empresa privada, como se esta disputa não interessasse aos próprios cidadão brasileiros.

O problema é que, se o Equador der calote na Odebrecht, perdem-se para sempre os 243 milhões de reais emprestados pelo BNDES - banco público brasileiro que trabalha com, dentre outros recursos, impostos arrecadados dos contribuintes do Brasil.

Além disso, um dos questionamentos de Correa quanto ao contrato diz respeito ao repasse de verbas. Como o crédito foi destinado diretamente à Odebrecht, o presidente equatoriano demonstra insatisfação com o fato de a dívida estar legalmente descrita como uma pendência financeira entre Equador e Brasil.

Ora, não faria sentido o BNDES enviar esta enorme quantia para o governo equatoriano se , depois disso, os 243 milhões de reais seriam repassados à própria construtora brasileira. O fato é que se a usina hidrelétrica San Francisco - obra que gerou toda essa discussão - é um patrimônio equatoriano, a dívida relativa ao dinheiro que a construiu também é. Simples assim.

Se, como afirmam as autoridades do Equador, a obra não supre as necessidades do país ou não fornece a quantidade de energia elétrica prevista em contrato, isso é uma questão a ser decidida entre as três partes interessadas: o governo equatoriano, o brasileiro - representando o BNDES - e a Odebrecht.

O questionamento do Palácio do Itamaraty - e a razão pela qual o embaixador Antonio Marques Porto foi convocado de volta - é que o governo brasileiro foi surpreendido por uma ação apresentada na Câmara de Comércio Internacional (CCI) sem qualquer consulta prévia.

Ao governo brasileiro, e ao presidente Lula em particular - cujos índices de aprovação permitem uma certa tranqüilidade em meio à confusão mundial -, não interessa um desgaste internacional num momento em que ninguém quer aparentar o mínimo de instabilidade diante dos mercados.

Apesar de possivelmente concordar ideologicamente com seus pares mais controversos na América Latina, Lula se esforça para manter distância segura da explosividade retórica de Chávez, Evo, Lugo e Correa. É uma decisão inteligente diante da impossibilidade de prever as conseqüências da crise financeira e, mais ainda, da insegurança dos investidores na estabilidade política da região.

Tudo o que Lula e nós não precisamos é chamar a atenção do planeta com disputas políticas levadas a cortes internacionais e, menos ainda, com controvérsias envolvendo perda de patrimônio financeiro do país.

Para piorar ainda mais a situação, as autoridades equatorianas revelam que esta ação contra o Brasil na CCI faz parte de uma séries de decisões que avaliam as possibilidades de Quito declarar moratória ao pagamento de juros da dívida externa contraídas com instituições financeiras internacionais.

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