quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A guerra do mar

O ataque de um navio de guerra indiano a um cargueiro pirata no Golfo de Áden pode ser apenas o início de uma grande confusão militar e jurídica que coloca no centro das disputas internacionais dois universos diferentes: o dos amplamente beneficiados pelo processo de globalização - aí representados por grandes exportadores de petróleo - e os absolutamente excluídos deste sistema - no caso, os piratas da Somália. 

No foco da questão, o único fator que poderia levar as grandes potências mundiais a voltar seus olhos para um país africano em guerra ininterrupta há 17 anos cuja metade da população sofre com fome e desemprego: dinheiro. Para ser mais exato, os cerca de 70 milhões de dólares de prejuízo impostos a grandes empresas mundiais desde que, em janeiro deste ano, 91 cargueiros foram seqüestrados. 

E isso não deixa de ser interessante. Apesar de alguns analistas tentarem vincular as ações ao terrorismo internacional, não há nenhuma evidência de que haja qualquer ideologia por trás dos seqüestros de navios. Pelo contrário. Na prática, o objetivo desses piratas modernos é bastante simples: ganhar dinheiro com o pagamento do resgate das cargas. E eles têm obtido sucesso, já que as empresas têm menos prejuízo ao pagar a quantia pedida do que perdendo de vez o carregamento. 

Não é impossível, entretanto, que organizações terroristas como a al-Qaeda vejam nas ações piratas a possibilidade de conseguir dinheiro para financiar suas atividades. Na própria Somália, rebeldes islâmicos controlam o sul do país desde 2006.  Mas os piratas são democráticos nos seqüestros e não parecem estar dispostos a ideologizar o roubo de cargas. Tanto que a ação mais audaciosa aconteceu justamente contra seus irmãos de fé sauditas: o seqüestro do navio Sirius Star.

Além de seus 25 membros, os ladrões estão em poder de 2 milhões de barris de petróleo. O valor total da carga é estimado em impressionantes 100 milhões de dólares. 

Mesmo sem esse objetivo, as ações dos piratas serviram para pôr em foco a enorme distância a separar desenvolvidos e esquecidos da economia. Desde 1991, a Somália não tem um governo regular, a guerra civil devastou o país e simplesmente não há qualquer atividade produtiva capaz de gerar emprego. Aliás, por causa dessa baderna de ausência de instituições, os ladrões não são presos na Somália ou levados a julgamento. 

O seqüestro de navios e seus tripulantes é absolutamente injustificável, mas não deixa de ser irônico como um grupo de pessoas decidiu se empenhar com um sistema complexo de tecnologia e logística - os piratas monitoram os alvos com GPS, notebooks etc - para subverter e inviablizar um braço bastante importante do comércio mundial. 

Para ler o editorial do Los Angeles Times de hoje sobre a pirataria marítima, clique aqui.

Para conhecer mais sobre a miséria da Somália com dados completíssimos do The World Fact Book, da CIA, clique aqui

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