sexta-feira, 5 de março de 2010

O sul do Cáucaso em pé de guerra

A Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos EUA aprovou ontem, por 23 votos a 22, que o país passe oficialmente a se referir como genocídio ao assassinato em massa de 1,5 milhão de armênios pelo Império Otomano, em 1915. O episódio ainda é hoje mal digerido pelos turcos, que admitem as mortes, mas se recusam a qualificá-lo como genocídio. A discussão sempre causou polêmica e agora pode provocar uma sucessão de derrotas internacionais para o governo Obama.

O primeiro ponto é óbvio e já vinha sendo comentado nos posts da semana. Como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU, a Turquia é vital para as pretensões americanas de impor sanções ao Irã. Como as resoluções precisam da aprovação de pelo menos nove dos 15 países que ocupam assentos não permanentes, se já não havia muitas pretensões sobre a possibilidade de contar com os turcos, agora a posição de Ancara já está decretada. A Turquia ficará ao lado de Brasil e Líbano na oposição à aplicação de sanções ao regime de Ahmadinejad.


Mas a situação é muito pior do que parece. A Turquia é um ator determinante na política do Oriente Médio. Com forças armadas poderosas, o país é um peso importantíssimo para o equilíbrio de poder da região. Até o ano passado, mantinha relações cordiais com Israel, mas a posição turca tem mudado.


Desde a ofensiva israelense em Gaza, o primeiro-ministro, Tayyip Erdogan, mostra sinais de impaciência com Jerusalém. Além disso - e este é o ponto que mais amedronta Washington -, passou a flertar abertamente com Síria e Irã. Se, de fato, Ancara abandonar o barco de suas relações com o Ocidente e mergulhar de cabeça numa aliança com o chamado grupo de Estados xiitas, aí sim pressionar o regime Khamenei-Ahmadinejad e frear suas pretensões hegemônicas terá se transformado numa tarefa ingrata.


A Turquia hoje se debate internamente numa luta político-social vital para seu futuro - a disputa para manter o status laico ou dar uma guinada em direção à interferência da religião nas instituições estatais dividiu o país ao meio. Agora a decisão americana acrescenta um novo elemento no cenário de toda a região. O também muçulmano Azerbaijão saiu em defesa do vizinho e se aproveitou para retomar as discussões sobre o enclave de Nagorno-Karabakh.


Soberano sobre a região, o Azerbaijão esteve em guerra de 1991 a 1994 contra a população etnicamente armênia que vive no foco da disputa. Agora, acredita que o episódio sobre a nomenclatura do genocídio pode desestabilizar o diálogo entre Turquia e Armênia que vinha sendo restabelecido lentamente desde o final do ano passado.
Ou seja, é uma grande oportunidade para colocar um ponto final na disputa. Autoridades do Azerbaijão, inclusive, afirmaram na última semana que estavam dispostas a entrar em guerra contra a Armênia novamente. O cenário para um conflito está armado. Resta saber como EUA e Irã irão se comportar diante disso. Até porque a Turquia é membro da Otan, a aliança militar ocidental. E qual seria a posição do grupo no caso de uma guerra iniciada por Azerbaijão com o apoio de Ancara?

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