segunda-feira, 15 de março de 2010

Lula visita Israel em busca de legitimidade

Ao visitar Israel pela primeira vez, marcando também a primeira viagem de um presidente brasileiro ao país, Lula joga a carta da legitimidade na mediação dos conflitos no Oriente Médio. E isso é muito simples: em busca de algum papel de relevância no palco internacional mais prestigiado, seria preciso colocar os pés no Estado Judeu em algum momento.

Como o Brasil se pretende um ator legítimo, é preciso correr atrás de legitimidade mais com ações do que palavras. Em dezembro de 2003, Lula esteve na região e visitou diversos países, inclusive Líbia, Síria e Líbano. Preferiu deixar Israel de fora. Agora, alguns meses depois de receber o presidente iraniano, é chegada a hora de completar o processo. Esta é a única razão da visita. O estreitamento de laços, a expansão do comércio bilateral e a busca por oportunidades econômicas vêm a reboque.

O Itamaraty julga que as 36 horas de Lula em Israel servirão para amenizar as alegações de parcialidade em relação ao Irã, por exemplo. Tudo porque os mediadores atuais do processo acreditam que, se há gente demais querendo palpitar no conflito, não seria necessário acrescentar outro ator já comprometido com uma das partes. Ainda mais se esta parte é o Irã de Ahmadinejad.

Como sempre escrevo por aqui, os Estados não são emocionais, mas entidades empenhadas em buscar seus próprios interesses. E o maior interesse brasileiro é a vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. O conflito entre israelenses e palestinos - e, num cenário mais amplo, a disputa entre Irã e Ocidente - é a maneira mais óbvia de se alcançar este objetivo.

Talvez por isso, ao contrário do que muita gente tem dito, a diplomacia brasileira tenha dado mais sorte ainda pelo momento escolhido para a visita. Justamente quando as relações entre EUA e Israel estão abaladas por conta do anúncio da expansão dos assentamentos na Cisjordânia e da construção de mais moradias para judeus ortodoxos em Jerusalém Oriental. É diante de um cenário de crise que as oportunidades para novos interlocutores podem aparecer. Mas palpitar nos conflitos do Oriente Médio é um direito assegurado para muito poucos.

E a concorrência se mostra ainda maior, já que a Europa pode ter abandonado sua posição inerte. Pela primeira vez, coincidentemente de maneira simultânea a Lula, a chefe da Política Externa da União Europeia, Catherine Ashton, decidiu fazer um tour pela região. E também já tratou de advogar maior relevância no processo de paz entre israelenses e palestinos. Sem a menor dúvida, essa é uma competição desleal para o Brasil, principalmente por conta do histórico dos europeus nos diálogos.

Em discurso ao Knesset, parlamento israelense, Lula fez o que todos imaginavam: criticou os assentamentos judaicos, falou da boa relação entre judeus e árabes no Brasil - uma bobagem, já que a situação por aqui é completamente diferente e ambos os grupos são de cidadãos brasileiros sem qualquer disputa territorial -, e, ponto alto, pediu mais uma vez a reforma das Nações Unidas de forma a tornar a organização mais representativa.

Ainda para completar, Lula teria se recusado a visitar o túmulo de Theodor Herzl, criador do sionismo político. A ausência do presidente brasileiro pode ser interpretada como um recado aos aliados árabes. Não se sabe se foi coincidência, erro de agenda ou se Lula simplesmente se opôs a homenagear o fundador do movimento responsável pela criação de Israel.

A verdade é que a razão do cancelamento é o que menos importa. A ausência de Lula em um dos lugares mais simbólicos de Israel pode ser vista como um recado aos aliados árabes e ao Irã: o presidente brasileiro poderia encarar a existência do Estado Judeu como um fato consumado, mas não concordaria com o escopo ideológico que o criou. Vale lembrar que isso soaria muito bem aos ouvidos de Ahmadinejad e dos demais líderes muçulmanos que não se cansam de tentar difamar o sionismo.

Este pequeno gesto, aliado ao fato de Lula ter confirmado a visita ao mausoléu de Yasser Arafat na Cisjordânia, pode complicar as intenções brasileiras de parecer um interlocutor razoável. Arafat, além de ex-presidente da Autoridade Palestina, é o símbolo máximo do nacionalismo palestino e considerado o pai desta causa. Na prática, se esta agenda se concretizar, Lula terá escolhido prestigiar apenas o nacionalismo palestino em detrimento do judeu. Esta será a interpretação da comunidade internacional.

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