quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ampliando a discussão em torno das declarações de Lula sobre mulher acusada de adultério no Irã

Imaginava que um dos grandes focos de debate eleitoral presidencial brasileiro seria em torno das opções internacionais do governo Lula. Não sabia, no entanto, que este tema mobilizaria os candidatos de tal maneira como tem ocorrido. Como escrevi há alguns dias, as decisões do Itamaraty nos últimos oito anos são um dos poucos aspectos que não apresentam resultados práticos de melhoria em termos absolutos. O apoio ou condenação da plataforma internacional construída depende de convicções pessoais.

Por conta disso, o episódio do possível apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani é muito favorável à oposição. Por manter relações de proximidade com o governo de Teerã, Lula se transformou em vidraça nesta questão. A situação de impasse no Irã e a justa comoção internacional acabaram por se configurar como armadilha para o presidente brasileiro. Se nada fizesse, os concorrentes usariam a memória de outro momento delicado recente: o silêncio sobre os dissidentes políticos cubanos.

Assim, era preciso se posicionar. Lula ofereceu asilo. E recebeu resposta direta e nada delicada da imprensa estatal iraniana (que, no fim das contas, representa a posição oficial do governo Ahmadinejad): este é um assunto interno do país, Lula está mal-informado e sua opinião sobre o caso deriva do fato de ele ser uma pessoa emotiva. A oposição vibra. Mas nada é tão simples quanto parece.

De fato, mesmo em franca campanha por Dilma, o presidente brasileiro poderia ter exposto sua opinião considerando um pensamento estratégico. Por exemplo, comovido com a situação e, diante da imprensa no comício em Curitiba onde se pronunciou, seria lícito se dissesse que o Ministério das Relações Exteriores estava em contato direto com as autoridades iranianas para buscar uma solução menos traumática. Esta seria uma resposta que agradaria e ao mesmo tempo não permitiria tal exposição a ponto de levar um safanão diplomático como o que ocorreu.

Mas, como não imaginava que os aliados iranianos cometeriam tal indelicadeza às vésperas das eleições brasileiras, Lula acabou por fazer o jogo da oposição. Não apenas mostrou ingenuidade, como também forneceu material para contestar o desequilíbrio das relações bilaterais com Teerã. Mais ainda, ao começar a contra-atacar a partir das críticas de Serra e Índio da Costa, o presidente permite que PSDB e DEM pautem as discussões da campanha - uma velha estratégia usada em jogos de debate.

Para justificar as declarações que causaram tamanha polêmica internacional, Lula usou o mesmo argumento das autoridades iranianas para desconsiderar suas posições: sua natureza emotiva.

"Eu estava em Curitiba em um comício com a minha candidata, que é mulher, quando vi as fotos da iraniana enterrada até o pescoço", disse.

Se por um lado as palavras podem ser interpretadas como sinal de fraqueza, elas também humanizam ainda mais a carismática figura do presidente - e carisma é algo que não se consegue enxergar em Serra. Nem em Marina.

E a reversão desta crise ainda pode ocorrer. Basta que o Irã recue na decisão de aplicar a pena de morte a Sakineh Ashtiani. Outro ponto interessante: as palavras de Lula foram ouvidas em Teerã. Suas declarações correram o mundo, sendo repercutidas nos principais veículos da imprensa internacional. Mais uma prova de força do presidente. Muito possivelmente, se tal apelo fosse feito por um líder brasileiro há dez anos, seria completamente ignorado
.

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