A anarquia que de fato existe na Somália evidencia a mudança de parâmetros por que passa o mundo deste início de século. O duplo atentado suicida que deixou 33 mortos num hotel de Mogadíscio, na terça-feira, lembra o quanto a situação é desesperadora. O governo transitório apoiado pelo Ocidente controla hoje somente o palácio presidencial, a Vila Somália (onde vive o presidente Sheikh Sharif Ahmed), o aeroporto, alguns poucos portos e meia dúzia de cidades nas proximidades da capital.
Por outro lado, o grupo terrorista al-Shabab já tem o pleno domínio do sul do país e do lucrativo porto de Kismayo. O estado de completo caos é fruto do descaso das potências e dos sucessivos equívocos na tomada de decisões.
O primeiro - e talvez o maior importante deles - foi a invasão comandada pela Etiópia, em 2007. Com o que restava de orgulho nacional ferido, uma vez que a rivalidade entre somalis e etíopes é antiga, o al-Shabab se aproveitou para levantar a bandeira da defesa da soberania. A luta acabou fortalecendo o grupo, já muito bem armado pelas centenas de organizações terroristas internacionais que o apoiam.
A segunda decisão errada é mais uma omissão do que uma atitude. Enquanto bilhões de dólares foram despejados em Iraque e Afeganistão, a Somália foi praticamente esquecida. A situação de falência permanece. Em artigo publicado hoje em alguns importantes veículos internacionais, o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, menciona que o orçamento anual do que se pretende ser um governo somali é de apenas 250 milhões de dólares. E ele mesmo faz questão de mencionar que este valor se aproxima do destinado por seu país para o pagamento anual dos professores primários. E não é preciso dizer que Uganda está longe de ser um modelo em gestão educacional.
Em dezembro de 2009, doadores estrangeiros reunidos em Bruxelas haviam se comprometido a enviar 58 milhões de dólares para o governo de Mogadíscio. Para comparar o que isso representa, acho interessante citar que qualquer clube de futebol interessado em contratar o atacante Neymar, do Santos, deve arcar com a multa rescisória do jogador estipulada em 45 milhões de euros (em cálculos de hoje, quase 57 milhões de dólares). Mesmo assim, até agora, a luta da Somália contra o al-Shabab só mereceu parcos 5,6 milhões de dólares.
O grupo radical aproveitou a onda de mortes para declarar uma ofensiva final contra o Estado – o que resta dele, no caso. Como lembra o britânico Guardian, as efemérides próximas podem culminar numa avalanche de novos ataques. No próximo sábado, o décimo-sétimo dia de jejum do Ramadã, os muçulmanos celebram uma importante vitória contra os infiéis no século 17. Na segunda-feira, a data ainda é mais simbólica: marca o aniversário da conquista de Meca pelo profeta Maomé.
Apenas para lembrar: o objetivo do al-Shabab é o mesmo de tantos outros grupos (como Hamas e Talibã, por exemplo). Controlar o país e impor a Sharia - a lei islâmica - em todo o território. Se o governo somali cair mesmo, o país será o primeiro a ser de fato governado por um grupo radical, desde a queda do regime Talibã, no Afeganistão, após a invasão americana de 2001.
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