quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
O dilema dos "Estados falidos"
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Ambições sírias
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terça-feira, 22 de dezembro de 2009
E se o Irã tiver capacidade nuclear?
O presidente Ahmadinejad já mencionou diversas vezes e numa variada gama de oportunidades - desde a visita à usina de Isfahan, em seu país, até o discurso na Assembleia Geral da ONU - ser a favor que um outro Estado-membro das Nações Unidas seja "varrido do mapa".
Há um grande concerto internacional para diminuir o arsenal nuclear no planeta. Mesmo potências militares como Estados Unidos e Rússia têm mantido conversações a respeito e se mostram dispostas a reduzir seus próprios arsenais. Como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, ao construir usinas secretas e dificultar o trabalho dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Teerã estaria, no mínimo, caminhando para um retrocesso nas relações internacionais.
Na melhor das hipóteses, vejo como inocentes os discursos dos que se colocam favoráveis ao direito de o Irã produzir armamento nuclear. Acho equivocado o argumento muitas vezes usado de "democratizar" o acesso a armas atômicas. Num momento em que são discutidas em conjunto decisões imediatas sobre salvar o meio-ambiente, penso que são contraditórios possíveis esforços para permitir que novos países alcancem potencial nuclear.
Seja como for, se não fossem suficientes os argumentos para impedir que Khamenei-Ahmadinejad tenham sucesso em sua empreitada, acho válido levar em consideração o cenário elaborado por Graham Tillett Allison Jr., cientista político e professor da John F. Kennedy School of Government, de Harvard.
"É possível que, se o Irã obtiver sucesso, na próxima década ele não seja o único Estado com armas nucleares no Oriente Médio. A Arábia Saudita, por exemplo, não irá aceitar um futuro no qual os iranianos – seus rivais xiitas – tenham capacidade nuclear e os sauditas, não. Egito e Turquia podem também seguir os passos atômicos da república islâmica", escreve. Este é apenas um trecho de seu artigo que será publicado na edição de janeiro da revista Foreign Policy.
Ou seja, seria a perda de controle total sobre armamentos nucleares numa das mais explosivas e instáveis regiões do planeta. Acho que ninguém gostaria de ver este cenário se tornar real. Ou gostaria?
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
A guerra da informação
A situação atual do Irã se resume a especulações de toda a sorte. É fato que há um movimento de oposição atuante, mas não se sabe se ele representa a maioria da população. O que está acontecendo neste momento é uma grande batalha midiática que mobiliza os dois lados da imprensa: a estatal iraniana, representante dos interesses do regime, e a do Ocidente, que tende a se aliar aos opositores. Até mesmo as agências de notícias e grandes redes de jornalismo estão com dificuldades para realizar seu trabalho.
Sabe-se que o governo do Irã tem impedido a imprensa internacional de cobrir os eventos. Mesmo o funeral do aiatolá Montazeri é vetado aos jornalistas estrangeiros. Os veículos têm realizado seu trabalho baseados em raro material primário disponível, como vídeos de celular enviados por manifestantes, circunstância muito semelhante aos eventos que sucederam as eleições de 12 de junho. Portanto, é difícil chegar a qualquer diagnóstico sobre a situação.
Como escrevi não faz muito tempo, o regime da república islâmica já percebeu que informação é uma das mais valiosas armas dos dias de hoje. Por isso pretende em pouco tempo criar sua própria agência de notícias. Os receptores de informação estão em meio ao fogo cruzado da propaganda midiática. Principalmente nós que estamos distantes dos acontecimentos em todos os sentidos. Mesmo jornalisticamente não temos acesso a qualquer fonte primária. Por isso seria irresponsável bater o martelo sobre o que está acontecendo agora nas ruas do Irã.
Por outro lado, podemos sim debater sobre as consequências. Se de fato a pressão popular for grande, é improvável que Ahmadinejad-Khamenei continuem no poder sem fazer qualquer concessão. Entretanto, se houver um ataque militar ao programa nuclear iraniano, a oposição interna na república islâmica se desmobilizará por completo, uma vez que uma investida estrangeira unirá toda a população em torno da defesa do país.
Amanhã, mais um curioso cenário sobre uma eventual aquisição de armamento nuclear pelo Irã.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Nem tudo está perdido
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Perigosa provocação iraniana
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Os assessores de imprensa voluntários de Ahmadinejad
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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Sebastián Piñera pode ser novidade política no Chile
A vitória do empresário Sebastián Piñera no primeiro turno das eleições chilenas pode até ser revertida pelo candidato de esquerda e ex-presidente Eduardo Frei. O segundo turno acontece no próximo dia 17 de janeiro, mas a simples ascensão de Piñera a favorito no pleito já é por si só um fato importante da política sul-americana. Até porque acontece pouquíssimo tempo após a reeleição de Evo Morales, na Bolívia, e da eleição de José Mujica, no Uruguai, dois nomes importantes no quadro de renovação da esquerda do continente.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Governo do Paquistão corre risco de cair
Os ataques terroristas que deixaram mais de 50 mortos e outros 150 feridos no Paquistão nesta semana mostram como a situação no país vai de mal a pior. A verdade é que a estrutura de terror instalada há anos por lá acabou por vir à tona graças à invasão do Afeganistão, em 2001. Agora, este problema que cabe aos EUA resolver talvez se mostre tão ou mais complicado do que derrotar o Talibã.
Isso porque Washington vai se deparar com um dilema crucial para a política externa americana: confiar que o presidente Asif Ali Zardari conseguirá ter forças para controlar os radicais que formam parte da cúpula de segurança paquistanesa ou então invadir o Paquistão e, além de abrir mais uma frente de batalha no sudeste asiático, jogar para o alto a frágil aliança que mantém com Islamabad.
Acho que, para evitar esse problema, Obama simplesmente vai tentar levar a situação do jeito como está enquanto pode. A questão é que, ao seguir por este caminho, dá um tiro no próprio pé na medida em que praticamente inviabiliza qualquer chance de vitória no Afeganistão. Afinal, os teóricos de guerra americanos consideram impossível derrotar o Talibã enquanto a região de fronteira com o Paquistão permanecer como zona livre para os terroristas afegãos.
Os Estados Unidos talvez venham a enfrentar os resultados da medida que colocaram em prática ao aprovar no ano passado uma lei impedindo que os recursos financeiros sejam repassados diretamente para a estrutura militar paquistanesa – controlada por radicais que não escondem a simpatia nutrida pelo Talibã e por sua ideologia.
Não por acaso cada vez mais o Paquistão tem sido alvo de ataques terroristas. Não há dúvida de que se tratam de atos cometidos pelo Talibã, mas com a complacência dos oficiais da ISI, as forças de segurança paquistanesa. A situação do governo de Zardari é tão grave que existe a real possibilidade de um golpe militar. É o que sustenta Tarek Fatah, ex-ativista paquistanês e fundador do Congresso Muçulmano Canadense.
"O exército (do Paquistão) vê com suspeita e alarme os esforços do governo de apaziguar a situação no Afeganistão. Além disso, o estabelecimento de uma paz duradoura com a Índia poderia acabar com os motivos que justificariam a própria existência de um forte aparato militar paquistanês", escreve em artigo publicado no canadense Globe and Mail.
Ou seja, Zardari está aos poucos secando não apenas as fontes financeiras que abastecem as ISI, como também minando a relação nefasta entre as forças de segurança e Talibã e al-Qaeda. Seguramente, tudo isso não vai ficar impune. A missão principal de Obama na região é evitar que um golpe militar deponha o presidente paquistanês e coloque todo o vasto arsenal bélico do país – que inclui armamento nuclear – nas mãos de grupos aliados de dois dos principais grupos terroristas da atualidade.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
Evo está com sorte
Ainda sobre as eleições bolivianas, acho que é possível fazer um paralelo entre a carreira de Evo Morales e alguns, digamos, recursos naturais que acompanharam sua trajetória política: a água que marcou um de seus mais representativos - e desesperados - protestos (abordarei este assunto com a atenção que ele merece num próximo texto); o gás e o petróleo responsáveis por controversas decisões internas e externas (inclusive afetando a Petrobrás, é bom lembrar); e o lítio, elemento que sem a menor dúvida vai marcar não apenas seu novo mandato, como também todas as manchetes da imprensa nos próximos anos.
Pouco se fala nisso - não duvidem, este assunto vai se tornar cada vez mais comum daqui pra frente -, mas a Bolívia é o país que abriga hoje a maior reserva inexplorada de lítio no planeta. Esta é uma daquelas ocasiões em que os leitores costumam dizer "e daí?". O fato é que o elemento pode salvar não apenas a indústria automobilistica como, por consequência, mudar a balança de poder internacional.
O lítio será usado na confecção de baterias para os veículos elétricos que serão produzidos para gradualmente substituir os automóveis movidos a gasolina. Talvez isso explique o interesse do Irã na Bolívia. Por ora, sem a menor dúvida, fica claro que os olhos do mundo estão se voltando aos poucos para o segundo país mais pobre da América do Sul. Até porque, vale lembrar que o governo de Barack Obama decidiu emprestar 11 bilhões de dólares para empresas que pesquisem formas de reduzir a dependência americana ao petróleo.
Localizada no solo do salar de Uyuni, uma das mais belas regiões da Bolívia, estima-se que a gigantesca reserva de lítio tem capacidade de produzir baterias para mais de 4,8 bilhões de carros. A extração do recurso ainda não começou, mas há grandes expectativas de como a descoberta de uma commodity que será tão valorizada nos próximos anos poderá mudar para melhor o destino dos dez milhões de bolivianos.
Hoje as discussões são retóricas. Principalmente porque o país não tem dinheiro para construir as minas. E isso será uma grande questão para Evo, uma vez que essa dificuldade prática pode obrigá-lo a dividir esta riqueza com transnacionais. Para se ter ideia de como a Bolívia pode mudar a lógica do mercado, hoje 70% da produção de bens a partir do lítio é controlada por duas empresas: a norte-americana Rockwood, de Nova Jersey, e a chilena Sociedad Química y Minera de Chile.
No mundo globalizado, algumas empresas já se ofereceram a Morales para projetar, sem qualquer custo por ora, a mina de Uyuni: o bilionário francês Vincent Bollore - dono de uma fábrica de baterias e que planeja construir carros elétricos - e ninguém menos que a sul-coreana LG e as japonesas Mitsubishi e Sumitomo. Neste aspecto, o socialismo do século 21 de Morales aparentemente vai ter de se associar ao capital externo para garantir os lucros a partir do lítio.
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Em comemoração a um ano de publicação do blog no Tempo, vou sortear o livro "Os Próximos 100 Anos", de George Friedman. Para concorrer, basta responder em uma linha à seguinte pergunta: "qual foi o acontecimento internacional mais importante do ano e por que?". As respostas devem ser enviadas para o email cartaecronica@gmail.com . Uma banca de jornalistas vai analisar as respostas e escolher a que julgar a mais interessante. Importante dizer que é preciso mandar o email com nome completo e endereço com CEP. O resultado sai no dia 12 de janeiro.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Evo Morales é reeleito com amplo apoio da população
E ele tem obtido sucesso, como mostra o resultado das eleições. Por mais que sejam criticáveis suas alianças internacionais, hoje a Bolívia representa uma forma de gestão inédita no mundo, aliando reestrutuação política e social com eficácia econômica que agrada até mesmo ao FMI - por mais estranho que isso possa parecer.
As estimativas de crescimento econômico no país estão na casa dos 4% - taxa superior à média dos países sul-americanos. Além disso, as reservas monetárias chegam a 7 bilhões de dólares. Sem dúvida, um dos grandes responsáveis pelo sucesso do governo Morales é o objetivo pelo qual ele foi eleito pela primeira vez: mudar a balança de poder injusta da Bolívia.
Ou seja, melhorar a condição de vida dos mais de 60% de indígenas que compõem a população. E isso dá muito trabalho. Assim, uma série de medidas vem sendo tomada, como investimentos em programas de bem-estar social, educação e acesso à saúde. E, é claro, tudo isso gera emprego, renda e movimenta a economia.
Talvez por isso mesmo a Bolívia tenha conseguido taxas de crescimento positivas mesmo durante a crise; por definição, seu governo não credita todas as responsabilidades à mão livre - e, como se sabe hoje, incompetente - do mercado.
Ao contrário de teóricos que sustentam que o governo de Evo Morales é assistencialista, acredito que seja possível fazer uma leitura diferente deste momento: desde 2005, a Bolívia tem pela primeira vez um governo preocupado com questões fundamentais e urgentes para a esmagadora - e historicamente esquecida - parcela da população.
Talvez seja difícil compreender a situação da Bolívia porque por lá há mesmo uma relação clara ente o sucesso de brancos e a miséria da população indígena. Por aqui existe sim racismo, mas, para não morrer afundada em culpa, nossa sociedade prefere fingir que os negros não sofrem hoje as consequências de políticas racistas de outrora - só não vê quem não quer.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Os passos a serem seguidos para se tornar uma potência
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
20 porcento no urânio; 80 porcento de chances de ataque
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Sem grandes mudanças à vista
Para piorar, há oito anos Washington contava com grande apoio interno e externo para caçar bin-Laden – o esquecido objetivo inicial da campanha. Hoje, a situação é bem diferente. Boa parte da opinião pública americana considera que o governo deveria se empenhar em diminuir o desemprego – com taxa média superior à casa dos 10% -, por exemplo.
Definitivamente, o momento não é nada bom para Obama, cujo índice de aprovação caiu para 49% - 20 pontos a menos do que os 70% de sua posse. Mas o presidente americano não tem alternativas.
Não concordo com a opinião de que os EUA deveriam simplesmente deixar o Afeganistão. Penso que seria admitir perigosamente uma derrota para o fundamentalismo islâmico que teria consequências catastróficas em todo o mundo. A resistência Talibã seria um modelo a ser exportado para outras zonas de conflito envolvendo terroristas fundamentalistas. Mas tampouco acredito que seja função de Washington arcar com custos e riscos de criar um projeto de nação afegã, patrocinando inclusive o corrupto governo do presidente Hamid Karzai.
Talvez o dinheiro devesse ser investido no pagamento de salários mais atraentes para os que desejassem deixar as fileiras do fundamentalismo e se unir às embrionárias forças de segurança. Este me parece ser um caminho a ser seguido. Basta lembrar que os salários pagos pelos EUA atualmente estão na casa dos 100 dólares mensais, enquanto o Talibã oferece 300 dólares. Medidas pragmáticas como essa me parecem capazes de mudar a realidade em longo prazo.
Por ora, sabe-se apenas que os 30 mil soldados que Obama mandará para o Afeganistão irão contribuir para formar um respeitável contingente de quase 150 mil combatentes. Entretanto, esse número não vai ser eficaz sozinho, caso o "aliado" Paquistão continue a não reprimir os talibãs que circulam livremente na fronteira do país.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Intolerância à suíça
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Por que Ahmadinejad não vai ceder aos pedidos internacionais
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Programa nuclear iraniano sofre condenação internacional
A mensagem que se coloca é a seguinte: a grande maioria dos estados ocidentais decidiu censurar o programa nuclear iraniano. A AIEA condena a construção secreta da usina de Qum e também o potencial militar do projeto atômico do Irã.
Alguns fatores causaram surpresa neste processo que culminou com a censura internacional ao governo iraniano: a enérgica reação do presidente da AIEA, Mohamed ElBaradei, que chegou mesmo a declarar que Teerã tem bloqueado o trabalho dos inspetores da agência; e também disse que seus esforços para revelar a verdade "chegaram a um final morto" - uma tradução ao pé-da-letra da expressão em inglês "dead end", usada por ele.
Outro aspecto interessante é o gesto ter recebido o apoio de Rússia e China, países aliados política e logisticamente do governo do Irã. O veto foi um trabalho conjunto de Estados Unidos, Alemanha, França, Grã-Bretanha, China e Rússia.
Acho que a atitude mostra o quanto Ahmadinejad está isolado. E não por acaso acontece na mesma semana em que o presidente iraniano visitou seus colegas em Venezuela, Bolívia e Brasil. A intenção é deixar claro que, ao contrário do que possa parecer, a comunidade internacional em peso – ou pelo menos a parte mais importante dela – condena o programa nuclear iraniano.
A estratégia internacional brasileira sofre um duro golpe na medida em que se afasta das expectativas acerca dessa questão. Mais ainda, coloca o Brasil no campo oposto. E o recado já havia sido dado quando o presidente Obama inusitadamente enviou um longo fax a Lula enumerando as preocupações americanas quanto a visita de Ahmadinejad. A carta foi recebida justamente às vésperas do encontro e pedia, dentre outros assuntos, que o líder brasileiro condenasse o projeto atômico de Teerã.
Como se sabe, isso não foi feito. E aí está o resultado de uma semana absolutamente crucial e polêmica no cenário internacional e para a política externa brasileira, em particular. Vamos aguardar quais serão os próximos passos.
Importante deixar claro que, mesmo tendo recebido Ahmadinejad na segunda-feira, acredito que não seria incoerente se o Brasil tivesse apoiado a resolução da AIEA de hoje. Simplesmente porque, em Brasília, Lula disse ser favorável ao direito de o Irã obter tecnologia nuclear, desde que para fins pacíficos. E o veto de hoje ocorreu justamente pelas dificuldades impostas aos inspetores internacionais, a preocupação de que o programa se transforme num processo militar e também por conta da usina secreta de Qum, descoberta através de fotos de satélite há dois meses.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Ahmadinejad já está em guerra
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Tensão e chá-de-cadeira. Ahmadinejad no Brasil
Acelino Ribeiro é coordenador do Movimento Democrático Direto (MDD) e, por mais contraditório que pareça, vê na figura de Ahmadinejad um pacifista. Para ele, o presidente do Irã representa a luta contra o imperialismo americano. Ao mesmo tempo em que conversamos, seus quatro correligionários acenam positivamente com a cabeça. Acelino me explica que existe uma grande manipulação da mídia e, ao contrário do que todo mundo pensa, Ahmadinejad faz parte de um grupo de autoridades internacionais cujas palavras são seguidamente distorcidas pela imprensa. Este grupo inclui o ditador norte-coreano Kim Jong-il, o ditador líbio Muamar Kadafi e os presidentes Chávez e Evo Morales, aqui na América do Sul.
Logo em seguida, aproxima-se Faraj Hassan Ali, presidente do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino. Com a camisa negra castigada pelo sol de Brasília, ele admite que a passeata foi organizada às pressas, ao saber da presença de manifestantes contrários à visita do controverso presidente. Pergunto a ele o que pensa sobre as declarações de Ahmadinejad sobre "varrer Israel do mapa" e de que "desconhecia a existência de homossexuais no Irã".
"Todas as religiões combatem o homossexualismo. A imprensa usurpa as declarações do presidente do Irã", diz. "Acho que o processo de paz no Oriente Médio morreu. A única solução é mesmo acabar com o regime sionista israelense", completa, mesmo que suas declarações sigam na contramão da posição oficial da Autoridade Palestina.
A essa altura, já há duas ou três faixas pregadas no gramado da Esplanada dos Ministérios. "Brasileiros e palestinos saúdam o presidente Ahmadinejad e Lula e desejam vida longa por lutarem contra o imperialismo (EUA) e o sionismo (Israel)".
Já está claro que o conflito do Oriente Médio vai travar por aqui um de seus capítulos. Mesmo que as armas sejam os slogans de sempre.
O major Franco, coordenador de segurança pública encarregado, informa que o efetivo é maior do que o empregado normalmente. É fácil perceber a tensão nos rostos e ela é quase palpável no ar.
No palco da solenidade, nos salões do Ministério das Relações Exteriores, jornalistas correm para obter suas credenciais. O da Al-Jazira discute para entrar. Mal-sucedido, corre de volta para o gramado e entrevista os manifestantes pró-Irã. Uma questão de público alvo.
Por volta das 11h, começa a chegar o grupo dos opositores a Ahmadinejad. Eles vestem lenços verdes, em alusão a cor símbolo dos protestos aos resultados das últimas eleições presidenciais no Irã. Por aqui, no entanto, o líder do movimento é corretor de imóveis e mora em Goiânia. Faltou ao trabalho para protestar contra o programa nuclear do governo de Teerã e à intolerância contra homossexuais, membros da fé Bahai e dissidentes políticos praticada no país do Oriente Médio. "Aqui Não" é o nome dado ao protesto.
"Não somos contra o povo iraniano. Mas não podemos ser coniventes à censura que se pratica por lá. Acho que estamos tendo sucesso, já que conseguimos marcar presença em manifestações realizadas em 15 estados", diz Natan Cunha.
Um das pontas da faixa onde se lê "os membros da fé Bahai são perseguidos e mortos no Irã" é segurada por um menino de apenas 12 anos de idade. Ele está perdendo aula e diz que está aqui porque seu tio é um dos organizadores do evento. Mas, com tremenda rapidez de raciocínio, mostra ter aprendido direitinho os argumentos para condenar Ahmadinejad.
"Ele quer enriquecer urânio para fazer a bomba atômica. Não podemos deixar", afirma.
No meio da multidão, dois ex-servidores da Aeronáutica são os que atraem mais curiosidade. Reivindicam a reincorporação na força e levantam o público ao clamar por democracia. Depois deste episódio, os dois grupos de manifestantes parecem deixar a inércia e voltam a gritar seus slogans.
No caminho para o Palácio do Itamaraty, um homem moreno filma a passeata. Ao me aproximar, pergunto para qual empresa ele trabalha. Num inglês ruim, diz que só fala farsi - o idioma iraniano - e não está autorizado a conversar.
Na porta de entrada do Ministério das Relações Exteriores, constrangimento. Um manifestante pró-Ahmadinejad é barrado. Revoltado com a situação, questiona a funcionária do MRE: "Por acaso você é judia?".
No salão principal do Itamaraty, jornalistas e fotógrafos se acotovelam. Lula e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, conversam ansiosos à espera de Ahmadinejad. O presidente tenta descontrair e comenta sobre a rodada deste domingo do Campeonato Brasileiro. "Eu queria ter sido ponta-de-lança", brinca.
Os Dragões da Independência tomam posição. Nas ruas, a multidão grita palavras de ordem e as sirenes de carros oficiais apressados são acionadas. Mahmoud Ahmadinejad salta sorridente e sua comitiva caminha a passos lentos em direção a Lula e Amorim. Os presidentes se abraçam, posam para fotos e entram rápidos para reuniões a portas fechadas.
Só reaparecem novamente mais de duas horas depois. O encontro com a imprensa estava previsto para as 12h30, mas só começa às 15h22. Os jornalistas comentam que a distância entre as cadeiras de Lula e de Ahmadinejad é maior do que de costume. O presidente brasileiro bate repetidamente os dedos na mesa enquanto conversa baxinho com Celso Amorim.
Ao ser convocado para o pronunciamento oficial, Lula faz um discurso protocolar, com cada palavra sendo dita de forma a não provocar ainda mais eletricidade. Nada pode dar errado e o governo brasileiro não apresenta qualquer surpresa. Defende a obtenção de energia nuclear para fins pacíficos, celebra a diversidade étnica e religiosa no Brasil e reafirma a posição brasileira de buscar a paz no Oriente Médio. O que talvez constranja o líder iraniano é Lula lembrar a recente visita do presidente Shimon Peres ao Brasil. O presidente brasileiro mais uma vez se diz favorável à criação de um Estado palestino capaz de conviver ao lado de Israel sem ameaçar a existência e a segurança do Estado judeu.
Ahmadinejad discursa sobre as semelhanças entre Irã e Brasil e condena a ordem mundial que, segundo ele, pretende acabar com as características individuais dos países. Diz que o capitalismo é um fracasso e que há um plano para atacar as culturas autóctones. Ahmadinejad cutuca Israel ao afirmar que o sistema nascido após a Segunda Guerra Mundial já não funciona mais. Lula boceja e o ministro da Indústria e Comércio, Miguel Jorge, rodopia o celular sobre a mesa.
O clima de tensão parece ter ficado do lado de fora. Até porque existe uma simbiose entre as partes. Lula defende o direito iraniano de prosseguir com o programa nuclear; Ahmadinejad diz que o Conselho de Segurança das Nações Unidas deve mudar e incluir um assento permanente para o Brasil.
O clima ameno só é quebrado quando um jornalista questiona o governo brasileiro por mediar um tema tão polêmico. Lula se irrita um pouco e diz que a pergunta já foi respondida. Ahmadinejad pede a palavra e em dez longos minutos explica o programa nuclear de seu país, ao mesmo tempo em que mais uma vez culpa a imprensa por distorcer suas declarações, afirmando ter sido dele a iniciativa de trocar urânio enriquecido no Irã por combustível - a proposta não seria de Estados Unidos, Europa, Rússia ou ONU, como se acreditava anteriormente.
A repórter iraniana - da agência de notícias oficial do país - desperdiça a oportunidade e pede a Lula para que ele apresente sua visão acerca da ordem mundial. Lula ri e resume tudo o que seu discurso já explicara na abertura da coletiva. O próprio presidente encerra o evento: "Eu não sei quanto a vocês da imprensa, mas eu ainda não almocei", diz. Entre risos e aplausos, a entrevista termina sem grandes novidades, a não ser o anúncio da visita do presidente brasileiro a Teerã, entre abril e maio do ano que vem.
sábado, 21 de novembro de 2009
Atualização do post anterior
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
A Europa em fuga
Se o ex-primeiro-ministro Tony Blair era barbada para ser o primeiro presidente europeu, a UE respondeu a todos os lobbies, expectativas e apostas com a surpreendente escolha do atual primeiro-ministro da Bélgica, Herman Van Rompuy, e da comissária europeia de comércio, Cathy Ashton, para os cargos de presidente e ministro das relações exteriores, respectivamente. Para ser mais claro, dois digníssimos desconhecidos e figuras sem qualquer importância no cenário internacional.
Na primeira vez em que a União Europeia aponta seus representantes supranacionais com poderes de fato para falar pelos 27 países que compõem o bloco, a entidade opta por uma escolha conservadora. Este é o termo mais educado, digamos assim, para diagnosticar um sintoma desta nova dinâmica das relações internacionais. A Europa está em fuga.
A decisão tomada ontem à noite mostra que o subterfúgio será a nova norma da política externa europeia. É como se o recado enviado ao mundo fosse algo do tipo "não nos procure com seus problemas, deixe-nos em paz". E isso é evidente. Basta ler a primeira declaração de Cathy Ashton após ser eleita para o cargo:
"Vou buscar realizar uma estratégia de diplomacia tranquila", disse. Acho que a expressão em inglês que usou explica melhor seus objetivos. "Quiet diplomacy" foram as suas palavras. Ou seja, ela vai trilhar um caminho daqueles que preferem não ser notados, o chamado "low profile".
Ao que parece, o destino do mundo vai ficar mesmo para ser decidido por Estados Unidos, China, os Brics, os grupos terroristas e quem mais se habilitar. A Europa abre mão de sua posição.
A questão é que fingir que os problemas não existem não é suficiente para solucioná-los. Mesmo que a Europa adote essa estratégia, as ameaças estão aí. Aquecimento global, corrida nuclear, terrorismo, dentre outros, são questões das quais não se pode fugir. Cedo ou tarde, será preciso se deparar com elas. E agora, ironicamente, a Rússia mostra que está disposta a acordar seus vizinhos ocidentais. Hoje, os ucranianos decidiram aumentar o preço cobrado de Moscou para transportar o gás para a Europa ocidental.
Ou seja, se a UE não entrar de cabeça neste assunto, é bem capaz que os europeus sofram com a possibilidade de racionamento ou ausência total de gás durante o inverno. Não resta dúvida de que será uma grande oportunidade de Cathy Ashton pôr em prática seu conceito de "diplomacia tranquila".
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Visita de Obama à China foi positiva
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Presidente palestino corre para salvar seu nome
O gesto pragmático que tomou em nome da contiuidade das negociações de paz não encontrou qualquer respaldo entre os principais grupos políticos palestinos. Pelo contrário, foi capitalizado pelo rival Hamas, que passou a acusar Abbas de ceder a Israel e Estados Unidos. O pragmatismo, muito elogiado no ocidente, foi execrado no Oriente Médio.
Talvez Abbas não imaginasse que sairia tão prejudicado da situação. E talvez por isso esteja jogando todas as suas fichas em limpar seu nome junto a seus compatriotas.
Assim, tem conseguido reverter o início de um processo que culminaria por inclui-lo no nada nobre panteão dos traidores da causa palestina. Por meio de declarações e gestos unilaterais, está conseguindo salvar a própria pele e ser novamente identificado como um símbolo de não-capitulação na Cisjordânia, mesma fama que seu rival Hamas usufrui em Gaza.
É claro que Abbas sabia que seria muito difícil obter apoio para seu projeto de declaração de independência unilateral. Nem mesmo a União Europeia – que politicamente está aliada aos palestinos – quis se comprometer. E esta promete ser uma tremenda saia-justa para o encontro agendado com o presidente Lula, na sexta-feira, em Salvador. Se o presidente brasileiro corroborar a iniciativa do colega palestino, irá se contrapor diretamente a EUA e UE, para os quais as negociações de paz não podem ser substituídas por medidas unilaterais.
Já o também membro do governo de Abbas, o negociador chefe Saeb Erekat, adotou discurso contrário. Disse que se Israel continuar a construir colônias na Cisjordânia, os palestinos devem buscar a alternativa de um Estado binacional, ou seja, um único país para israelenses e palestinos.
Em relação a este assunto, vale mencionar os resultados divulgados nesta semana por pesquisa realizada em Israel e nos territórios palestinos: 74% dos palestinos e 78% dos israelenses acreditam na solução de dois Estados para dois povos como forma de resolver o conflito.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
A caminho da terceira intifada
Estava tudo muito calmo por ali. Principalmente para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A economia cresce e se recupera da crise financeira, o turismo volta a apresentar índices bastante positivos, e, mais importante, os atentados terroristas estão sendo contidos. Nas fronteiras norte – Líbano – e sul – Gaza – bem ou mal os ataques de Hezbolah e Hamas, respectivamente, diminuíram bastante. Nunca nenhum governo israelense vai admitir, mas é claro que existe internamente um número a ser tolerado. Já se sabe que será bem improvável que este número chegue a zero.
O problema é que a situação é bem diferente nos territórios controlados pela Autoridade Palestina. Ou melhor, Gaza é quase um Estado soberano do Hamas e isso em parte explica a tensão crescente entre os palestinos – e também é um motivo que pode levar à coordenação de uma terceira intifada.
Mesmo após o congresso do Fatah, em agosto passado, não houve acerto entre o próprio Fatah e o Hamas. Pra completar, a incongruência dos dois ficou evidente após o fracasso da iniciativa egípcia de formalizar um acordo entre as partes. Some-se a isso a recusa do Hamas em participar das eleições gerais convocadas pelo presidente da AP, Mahmoud Abbas, que estavam marcadas para 24 de janeiro do ano que vem.
Ninguém sabe mais o que vai acontecer. O futuro da AP está a perigo e Abbas declarou que vai deixar o cargo. A escalada política que deve desaguar numa nova revolta palestina caminha a passos largos e segue também a mesma lógica que, off-record, justificaram as duas intifadas anteriores: somente a revolta popular seria capaz de pressionar por reformas políticas na estrutura de poder palestina.
A indiferença de Bibi à situação é ainda pior. Como continua se recusando a congelar a construção de assentamentos na Cisjordânia, oferece de bandeja um argumento que a comunidade internacional considera legítimo para a AP deixar a mesa de negociações e, pior, Abbas abandonar a política.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
América do Sul pode reeditar um mundo de 20 anos atrás
Talvez os venezuelanos saíssem em vantagem numa eventual guerra com a Colômbia, uma vez que já estão acostumados aos cortes de água e energia elétrica – situações comuns durante conflitos armados. Chávez pediu à população que se preparasse para “100 anos de guerra”. Um tanto exagerado, a meu ver. Mas, assim como o estranhíssimo episódio de espionagem envolvendo Chile e Peru, mostra que algo anda errado com os países vizinhos.
O melhor que o Brasil tem a fazer neste momento é aproveitar a ocasião. O governo Lula deve surfar na onda e confirmar a posição de unanimidade internacional de que o Brasil é, no momento, o mais prudente e moderado dos Estados da região.
As trocas de acusação entre Colômbia e Venezuela e Chile e Peru são retrógradas. Deixam a sensação de que esses governos ainda não perceberam que no mundo de hoje cooperação vale mais do que discursos nacionalistas; conhecimento científico e desenvolvimento econômico mais do que território. São essas as verdadeiras guerras que estão em jogo na América do Sul: a luta de alguns pelo retorno a um mundo que ruiu há exatos 20 anos.
É preciso ser ousado e convocar uma cúpula entre Colômbia e Venezuela. E talvez o Brasil fosse o melhor intermediário na disputa. Lula teria a dura missão de ser direto e impedir a guerra fria indireta e decadente que está prestes a acontecer bem do nosso lado.
Acho que o ocorrido entre Chile e Peru é um ponto fora da curva. Muito provavelmente fruto da antiga rivalidade entre os países e que, ainda hoje, ainda não está resolvida em boa parte por conta das demandas territoriais peruanas.
No caso entre Venezuela e Colômbia, no entanto, a disputa é pra valer. E os dois países saem perdendo logo de cara. Os colombianos porque deixar de fazer negócios com a Venezuela significa abrir mão de 7,6 bilhões de dólares ao ano; os venezuelanos porque ao não comprar de seu segundo maior parceiro comercial (os EUA são os primeiros, podem acreditar) deixam de receber componentes eletrônicos, bens agrícolas e químicos, comida e carros.
E adivinhem de quem Chávez promete comprar para substituir as importações da Colômbia: de Brasil e Argentina. Talvez isso explique o interesse da Venezuela em aderir ao Mercosul. E aí se configura um certo dilema para o governo brasileiro; o que valeria mais: mediar o fim das hostilidade ou buscar ser o substituto à Colômbia nas importações de Chávez?
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
As coincidências voltaram
O que se pode fazer por ora é imaginar cenários capazes de explicar o ocorrido. Os fatos são os seguintes: o navio Francop, de bandeira de Antígua e Barbuda, carregava mais de 60 toneladas de mísseis, foguetes e armas antitanque. A embarcação operava sob disfarce de um navio de ajuda humanitária. Os contêineres exibiam as siglas IRISL (Islamic Republic of Iran Shipping Lines).
O último destino do navio era a Síria. Muito possivelmente, o armamento seria destinado ao Hezbolah. Cinco dias após a interceptação israelense, coincidentemente, o primeiro-ministro libanês, Saad al-Hariri, confirmou o retorno do grupo radical xiita ao governo do país, apesar de sua derrota nas urnas nas eleições de julho deste ano.
O Hezbolah simplesmente se utilizou de sua força política para impedir a governabilidade. E conseguiu; barrou a lei que institucionalizaria o desarmamento do grupo. A tentativa de tirar seu poder de fogo criou um impasse tão grande que o Líbano mergulhou no limbo político. E agora, quando o Hezbolah retorna ao governo, o país vai sair da inércia, mas com a grande perda de manter parte de seu território sob domínio militar do grupo xiita.
Em nome da mínima governabilidade, as forças pró-ocidentais que alcançaram uma vitória histórica este ano tiveram de recuar. É a mostra de que será preciso muita articulação política, paciência e, acima de tudo, tempo para diminuir o poder paralelo que na prática governa boa parte do território libanês.
E por causa desta bem sucedida virada de jogo no Líbano, Irã e Síria retomaram o envio de armas ao Hezbolah, que atua como satélite direto dos dois Estados na fronteira norte de Israel.
Esta é a possibilidade que considero a mais provável.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Lula ganha mais prestígio com visita de Shimon Peres
Aproximar-se do Brasil é também se associar ao Estado com o maior peso internacional da região. Além disso, o governo Lula representa hoje a administração mais racional na América do Sul e capaz de escolher parceiros menos por ideologia e mais por pragmatismo. Vale lembrar que o país é capaz de realizar transações comerciais e contatos diplomáticos com os demais Estados das Américas e também com atores importantes como China, Rússia, Irã, Estados Unidos e União Europeia. Todos ao mesmo tempo.
Peres discursou em Brasília diante de deputados e senadores. Revelou as intenções israelenses de abrir negociações de paz diretas com a Síria e retomar os diálogos com os palestinos e deu o recado sobre a posição oficial em relação ao Irã – embora, por questões diplomáticas, não tenha se fixado tanto no assunto. Após reunião com o presidente Lula, hoje, pelo menos um importante resultado prático: o Brasil fechou um acordo no valor de 350 milhões de dólares com as Indústrias Aeroespaciais Israelenses. A negociação deve permitir ao Brasil o acesso a aviões não-tripulados para patrulhar as fronteiras e o equipamento deve ser usado também durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas no Rio.
A visita de Peres marca o que se pode chamar de simbiose internacional. É boa para o Brasil, já que o país pretende exercer um papel de maior destaque nas tentativas de diálogo no Oriente Médio e busca a sonhada vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU – e em breve Lula irá receber, além do polêmico presidente iraniano, o presidente palestino, Mahmoud Abbas. O encontro entre Lula e Peres também é importante para o israelense, que conseguiu suceder magistralmente o insosso e acusado de crimes sexuais Moshe Katsav, transformando a presidência de Israel num cargo de verdadeira relevância política.
O que ficou pendente até agora é uma questão delicada e completamente ignorada pela imprensa daqui. A carga de armamentos apreendida pela marinha israelense no último dia 4 a bordo de um navio iraniano continha contêineres com inscrições provavelmente em português. Digo provavelmente porque podem ser em espanhol também; as palavras “lote” “disparo” e “espoleta” são comuns aos dois idiomas. Mas o que importa mesmo é o conteúdo da carga: rifles M40. Ninguém vai questionar o ocorrido? O governo brasileiro não irá se pronunciar sobre o assunto? Amanhã um texto mais detalhado sobre o assunto onde pretendo articular alguns fatos aparentemente isolados acerca desta apreensão.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Um mundo bem diferente de 1989
Mas ninguém se deu conta – ou em meio a tanta festa não se podia ver – que o fundamentalismo islâmico era uma realidade pronta para confrontar o ocidente. E foi exatamente isso o que aconteceu, como todos sabem. E este parece mesmo ser um dos maiores desafios do mundo pós-guerra fria, pelo menos no campo das relações internacionais – é preciso lembrar também dos desafios do clima, do fim da recessão econômica mundial, da inclusão econômica e social que ainda não veio.
A queda do muro é um desses eventos marcantes, mas muito diferente de boa parte das lembranças políticas recentes. Ao contrário de situações-chave do mundo, marca a conciliação, não a catástrofe. Alem do mais, dá visibilidade a uma forma de pensamento única não-totalitária. Afinal, quem é louco de defender a existência do muro de Berlim hoje em dia ou ao menos lamentar sua ausência?
Ė interessante notar também que, muito distante da Europa, a China vivenciou sua própria revolução em 1989. Mas a potencia asiática conseguiu graças à sua economia e população encontrar uma brecha no mundo atual. Num regime muito particular e controlado pelo Estado, impõe-se numa mistura bem-sucedida – por mais controversa que seja, os números frios apresentam-na como a próxima maior economia do planeta – de totalitarismo e lógica de mercado.
A verdade é que, 20 anos depois, o mundo é completamente diferente daquele imaginado a partir de 9 de novembro de 1989. E ele tem mudado bastante principalmente desde o início deste século. Justamente porque o multilateralismo já é uma realidade política e econômica. Se, por um lado, a Europa está cada vez mais unida, a Rússia se afunda mais nas paranoias de seus lideres que ainda sonham com o retorno de um mundo anterior a 1989. O interessante mesmo é perceber que, quando se comemora a queda do muro, a Europa já não é, nem de perto, o mais importante dos palcos dos grandes desafios planetários de nossa era.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Impasse afegão
E não somente isso. A opção pela guerra do Afeganistão aconteceu justificadamente e contou inclusive com o apoio da comunidade internacional – na época ainda sem saber exatamente a dimensão das mudanças que estavam por vir. Os Estados Unidos expuseram motivos válidos para enviar sua máquina militar ao país asiático: era preciso prender e julgar os terroristas da al-Qaeda. E eles estavam escondidos em montanhas e cavernas de pontos remotos do Afeganistão.
Hoje, após bilhões de dólares dos contribuintes americanos gastos na empreitada, Osama bin Laden não foi encontrado. O objetivo acabou por mudar completamente, e EUA e OTAN lutam sem sucesso para derrotar de vez o Talibã, grupo terrorista que ainda domina boa parte do território.
Generais são destituídos e outros assumem sem qualquer previsão de vitória das forças ocidentais. Aliás, não fica claro o que seria vencer, principalmente quando se levam em conta os objetivos iniciais da invasão americana de 2001. Nem a al-Qaeda se esconde no Afeganistão, muito menos bin Laden.
Ao mesmo tempo, ao assumir essa guerra como sua, o presidente Obama se depara com grande possibilidade de fracasso. Até porque está cada vez mais claro que os impostos dos cidadãos americanos estão sendo usados para construir um outro país. E justamente num momento de recuperação pós-crise econômica que apresenta taxas de desemprego crescentes nos EUA.
Para complicar ainda mais, a Casa Branca e a OTAN acabam de patrocinar eleições fraudulentas. O presidente Hamid Karzai não conta com o apoio sequer da maioria dos afegãos, algo que torna ainda mais ilegítima a tentativa de “inventar” uma nação. O problema é que abandonar este projeto agora seria jogar bilhões de dólares no lixo e assumir terríveis consequências internacionais.
Por conta de todos esses complicadores, as alternativas são muito poucas. Resta à administração americana continuar a combater o Talibã de um lado e criar a infraestrutura de Estado, de outro. Ou seja, o projeto vai permanecer caro e seus resultados não serão percebidos em curto prazo. Mas esta opção ainda é melhor do que deixar o barco à deriva e permitir que os talibãs comemorem vitória sobre a OTAN e os EUA. Aí sim os resultados seriam ainda mais catastróficos.